IMAGEM NOTURNA DE COPACABANA
Autor: Abdias Nascimento
Intérprete Afonnso Drumond
Nascido no exílio me disseram um dia:
― Este é o teu país
Olhei em torno
e não me reconheci nas coisas que me rodeavam
Deverei também cantar o Brasil?
Antes de sentir
adivinhei o perfume noturno da minha Pátria
Chegue perto bem perto amor
Chegue mais bem pertinho de mim
Que teus escuros braços
me enlacem o peito assim
me tomem o negro coração em teus abraços
Me aconchegue bem amor assim
Suplico a proteção da tua sombra
nesta noite sem imagens lunares
Me sustenta sombra-pátria
nesta revolta sem fim
Para que não se desfaça
o coração dentro de mim
Veja ao palor do néon o Banco Português
Embalado à fria guarda dos escudos
Herdados do sangue do saque
e da sordidez
A madrugada acalenta o banco
os escudos
e vela o sono de uma negra velha
sob a marquise em leito de farrapos
O fervor do meu ódio e rancor mudos
afague o frescor do teu beijo
Que a doçura do teu pejo
não detenha a ira do meu punho
nem dilua o vibrar da minha tensão
neste ato de revolta em compulsão
Onde está o meu País?
Ao embalo matinal dos pesadelos
À visão do banco
e da minha raça atirada ao lixo
Os sentimentos bradaram Ogunhiê!
as ideias se fizeram armas e
o ódio não se consumiu em vão
Ó pátria queimada de amor demais
negro perfume meu
Celebro aqui tuas forças misteriosas
que alimentam nossa vida
na esperança que sustenta a luta
no amor teu
que é história
é luta passada
é glória
é luta de libertação
Agora
(Búfalo, 1974)