Contra a pandemia, a solidariedade

Medidas para enfrentar o coronavírus com proteção, igualdade e justiça social

A sociedade brasileira está lutando sozinha contra uma epidemia e uma gravíssima crise econômica. O governo federal, negligente e agressivo, tenta esconder o problema. Não adotou nenhuma das ações que poderiam enfrentá-lo. Em vez de agir, o presidente faz piada e provoca os que alertam para os riscos que todos e todas corremos.

Em atitude oposta, milhões de pessoas multiplicam, todos os dias, gestos de solidariedade. Permanecem em casa, para frear a contaminação – mesmo quando isso limita seu convívio social e provoca prejuízos econômicos. Protegem os idosos e os grupos mais vulneráveis. Preocupam-se. Auxiliam. Cuidam. Enxergam a possibilidade de um mundo melhor – mais fraterno e colaborativo, menos contaminado pela competição e desigualdade. Os movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil estão atuando solidariamente para conter a pandemia e para exigir medidas corretas do governo federal.

Os atos de solidariedade são profundamente necessários – mas não bastam. Para que tenham efeito prático, precisam ser acompanhados de decisões do sistema de poder. Os governantes precisam fazer seu papel no enfrentamento da crise, urgente. A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, que reúne centenas de organizações e movimentos de todo o país, reivindica as seguintes medidas imediatas:

1. Descongelamento do Gasto Social (Revogação da Emenda Constitucional 95):

À sombra de uma pandemia, o Brasil precisa elevar o gasto em Saúde, Seguridade e Assistência. Porém, por meio de uma emenda constitucional esdrúxula, aprovada sem debate algum entre a sociedade em 2016, o Estado brasileiro auto-aprisionou-se e congelou os gastos sociais por vinte anos. Um dispositivo assim não existe em nenhum outro país do mundo. Ao longo dos próximos meses, o país precisará ampliar, de múltiplas maneiras, o gasto social. Não poderá fazê-lo enquanto durar a limitação. É preciso revogá-la já! Esta medida deve resultar imediatamente em:

  • Instalação de hospitais provisórios: Segundo recomendou a Organização Mundial de Saúde, eles devem ser instalados onde necessário: estádios, ginásios, navios de cruzeiro etc.
  • Suspensão da Porta Dupla nos hospitais públicos: É inaceitável que, diante de uma pandemia, os hospitais do SUS tenham atendimento privilegiado para uma elite que tem plano de saúde. A Porta Dupla deve ser imediatamente suspensa. Assim como na Espanha, deve-se dar aos Conselhos Municipais do SUS o direito de requisitar leitos privados, se necessário, para atender aos contagiados.
  • Fabricação acelerada de ventiladores: O governo federal e os estaduais deverão encomendar o maior número possível de equipamentos, às empresas que os produzem e, caso sejam insuficientes, determinar a produção compulsória, por outras indústrias.
  • Restauração do Programa Saúde da Família: Essencial para a primeira linha de defesa contra a pandemia (redução do número de infectados e tratamento não-hospitalar dos casos brandos), o programa está sendo atingido por diversas resoluções do Ministério da Saúde. É preciso revertê-las e restaurar o programa, inclusive em sua versão NASF (Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica), de forma permanente.
  • Volta imediata do Mais Médicos: Depois de inviabilizar o programa, o governo federal anunciou que ele retornaria em outras modalidades. Nenhuma delas, contudo, saiu da intenção. O descongelamento de verbas sociais deve assegurar a imediata volta do Mais Médicos – inclusive, se necessário, com convite a profissionais de outros países e suspensão de necessidade do Revalida.
  •  Desbloqueio das ações de estados e municípios: Dada a natureza descentralizada do SUS, a maior parte das ações (e despesas) de Saúde é feita pelos estados e municípios. Boa parte destes está submetida a limitação drástica de gastos – por conta de endividamento e/ou acordos leoninos com a União. Estes dispositivos precisam ser imediatamente suspensos, sempre que se tratar de gastos com Saúde e Assistência.

2. Renda Cidadã de Emergência

O distanciamento físico é, como está demonstrado em todos os exemplos internacionais, essencial para frear a pandemia. Mas não pode ser alcançado sem assegurar condições dignas de existência aos que ficarão, por meses, sem trabalhar. É preciso criar uma Renda Cidadã de Emergência. Em 25/03 foi dado um primeiro passo importantíssimo. Uma proposta do governo, que estabelecia voucher (esmola) de R$ 6,66 por dia foi vencida na Câmara dos Deputados. Criou-se um auxílio de R$ 600 mensais para as pessoas que trabalham sem registro. Mas ainda é muito pouco. Uma Renda Cidadã de Emergência inicial significa: a) um salário mínimo mensal por pessoa; b) pagamento a todos os brasileiros: trabalhadores com ou sem carteira, desempregados e aposentados; c) válido enquanto durar o estado de calamidade pública decretado pelo governo (previsão oficial: dezembro de 2020).

  • Merenda Escolar: As aulas estão suspensas em quase todo o país, mas as crianças precisam ser alimentadas. Enquanto durar a quarentena, os estados e municípios devem criar formas alternativas de distribuir os itens da merenda diretamente às famílias – possivelmente na forma de cestas básicas.

3. Proibição de demissões

Ao permanecerem em quarentena, as brasileiras e brasileiros precisam ter garantias de que não perderão seus empregos. Os empregadores têm condições muito mais favoráveis para enfrentar a crise, sofrer eventuais prejuízos e arcar com despesas suportáveis, do que aqueles que dependem de seu salário para sobreviver. Por isso, enquanto durar o estado de calamidade pública, medidas legais incontornáveis proibirão as demissões que não tenham causa específica – e vedarão em especial as dispensas em massa para reduzir custos, que foram comuns na crise de 2008. Programas especiais do governo, debatidos com a sociedade caso a caso, poderão socorrer setores e empresas que se empenhem em cumprir a proibição de demissões e enfrentem dificuldades econômicas relevantes. As linhas de crédito recentemente divulgadas pelo governo para financiamento das folhas de pagamento, de micro, pequenas e medias empresas, deverão ter um custo zero (taxa real de juros zero), com prazo de carência dilatado e pagamento dilatados.

4. Proibição de despejos forçados e suspensão de pagamentos de aluguéis, para evitar ampliação da população sem casa, e para reduzir as possíveis dívidas a serem formadas neste período.

5. Suspensão e reestruturação das dívidas

Cerca de 40% da População Economicamente Ativa está inadimplente ou próxima da inadimplência. É vítima da crise econômica anterior ao coronavírus e de juros escorchantes impostos pelos bancos. Com a crise, muitos mais poderão tornar-se inadimplentes e perder acesso ao crédito. Por isso, e tendo em vista que os bancos são o único setor importante da economia que continuou obtendo lucros astronômicos, enquanto a sociedade mergulhava em crise, é preciso estabelecer:

  • Moratória no pagamento das dívidas: Enquanto durar o estado de emergência, as prestações mensais serão suspensas, acrescidas ao montante do débito e, ao final, distribuídas, sem juros, no período restante do contrato.
  • Redução expressiva dos juros: As taxas cobradas da população brasileira são incomparáveis às do resto do mundo. Elas vão expor milhões ao risco de falência pessoal. Contra isso, é preciso estabelecer o tabelamento dos juros. Retomando um princípio da Constituição de 1988, todos os devedores do sistema financeiro terão o direito de requerer, enquanto durar o estado de calamidade pública, a reestruturação de seus débitos, aos quais serão aplicadas taxas máximas de 12% ao ano. Este percentual incluirá todas as cobranças praticadas: juros, spreads, taxas de administração e IOF.
  • Reestruturação das dívidas inadimplentes: O mesmo princípio será aplicado para as dívidas inadimplentes. Os devedores terão assegurado o direito de exigir a consolidação do total devido, divisão em parcelas que representem no máximo 20% de sua renda pessoal e aplicação do limite de juros de 12% ao ano.
  • Suspensão da cobrança de contas de serviços públicos (água, luz, gás, telefone e internet): Estes serviços, essenciais a uma vida digna, são concessões do Estado, explorados por grandes corporações internacionais em regime de monopólio ou oligopólio. As empresas que os prestam têm grande liquidez, contratos de longo prazo e possibilidade de recuperar as receitas adiadas tão logo a crise termine. A suspensão evitará que milhões endividem-se ou, pior, tenham cortado o serviço.

6. Socorro às micro, pequenas e médias empresas – e à agricultura familiar

Além de atingir as pessoas, a paralisação necessária das atividades econômicas pode inviabilizar dezenas de milhares de empresas e produtores urbanos e rurais. O Estado os socorrerá, determinando que o sistema bancário oferecerá:

  • Facilidades de crédito semelhantes às das pessoas físicas para os MEIs, microempresas e agricultores familiares;
  • Crédito novo, nas mesmas condições, às que necessitarem.
  • Reestruturação da dívida, com juros limitados a 12% ao ano, para as empresas pequenas e médias que se comprometerem a não demitir nem precarizar seus trabalhadores;
  • Idênticas condições, sujeitas aos mesmos compromissos, para setores especialmente atingidos pela crise, como aviação e hotelaria.

7. Combate às desigualdades e violências contra as mulheres

A pandemia agrava as desigualdades, discriminações, exclusões e exploração. As vítimas são mulheres, negros, indígenas, e LGBTQI+. São necessárias medidas imediatas para evitar que o estrangulamento dos serviços de saúde e assistência social impliquem a transferência ainda maior das responsabilidades do poder público e da sociedade para as mulheres na esfera familiar, onerando-as e inviabilizando suas condições de proteção contra as múltiplas formas de violência que as atingem.

  • Abrigos para as vítimas de violência doméstica e seus filhos, em hotéis (vazios, com a pandemia) reservados para este fim, com condições para a vida cotidiana garantidas, e adequadamente policiados;

8. Imposto extraordinário sobre Bancos, Corporações e Grandes Fortunas

Uma pandemia que exige valorizar a solidariedade é também uma chance de começar a rever o sistema tributário brasileiro, marcado pela injustiça. Uma reforma tributária emergencial estabelecerá:

  • Tributação dos dividendos e dos “juros sobre capital próprio”: capaz de assegurar, anualmente, R$ 50,4 bilhões e R$7,3 bilhões, segundo cálculos da Rede Justiça Fiscal.
  • Tributo extraordinário sobre o lucro dos bancos: Só os quatro maiores bancos lucraram, em 2019, R$ 81,51 bilhões – um recorde absoluto, enquanto a população mergulhava na pobreza. Um tributo extraordinário deve atingir ao menos 50% deste valor.
  • Tributo sobre as Grandes Fortunas: estabelecido como princípio na Constituição de 1988 e nunca, desde então, transformado em realidade.

9. Controle do fluxo de capitais

Ao que tudo indica, o Brasil já sofre uma fuga de divisas: diante da crise, os especuladores, que tiveram enormes lucros com a taxa de juros interna do país, retiram seus recursos, em busca dos chamados “ativos seguros”. A médio prazo, este movimento poderá estrangular setores vitais das economias não-desenvolvidas, impedindo por exemplo a importação de fármacos, insumos industriais diversos e, em certos casos, combustíveis. Como acabam de propor dezenas de economistas, de países periféricos e centrais, é preciso interromper a sangria, estabelecendo medidas tributárias e administrativas de controle do fluxo internacional de capitais.

10. Criminalização e combate à desinformação

Em meio a uma pandemia, a sociedade não pode ficar à mercê de grupos que divulgam falsas informações, que resultam em desproteção e mortes. É preciso identificar e punir as milícias digitais que produzem e difundem desinformação (fake news) e educar para o exame crítico da Comunicação. A Justiça deve aplicar as previsões legais já em vigor no país para punir exemplarmente empresas e agentes públicos que difundem “informações” sabidamente falsas sobre o covid-19 e seu enfrentamento.

11 . Anulação do pleito de 2018 e convocação de eleições

O envolvimento direto do presidente da República na difusão de informações falsas sobre a pandemia do coronavírus chama a atenção para um episódio de enorme gravidade. As eleições de 2018 transcorreram sob crime eleitoral. Dinheiro empresarial ilícito alimentou campanhas de manipulação do pleito. O TSE deve julgar as ações de cassação da chapa Bolsonaro/Mourão que se encontram pendentes e, sendo este julgamento no sentido de cassação da chapa, sejam convocadas novas eleições assim que o país superar a pandemia.

#ForaBolsonaro!

Via Plataforma Pela Reforma do Sistema Político