Pela primeira vez, dados divulgados sobre o covid-19 nos Estados Unidos fazem o recorte racial. No Brasil, movimentos negros alertam para a realidade nacional e pressionam autoridades

A gente conhece essa história de cor. Mas ainda assim causa indignação quando a ciência de dados joga sobre nosso rostos a desumanidade histórica do capitalismo, cujas os fundamentos foram forjados sobre o sistema da escravidão do sujeito negro. Um crime contra a humanidade, uma vergonha declarada. 

Olhemos para os dados do Departamento de Saúde da cidade de Nova Iorque, divulgados nos últimos dias: pretos americanos são 28% dos mortos até o momento, e sua representatividade no total da população é de apenas 22%. Os brancos, por outro lado, constituem 32% da população, mas são 29% dos mortos pelo coronavírus. Quem mais sofre com as mortes são os hispânicos: são eles 34% dos mortos pela Covid-19, apesar de só representarem 29% da população nova-iorquina.

Em Chicago não é diferente: 70% das mortes no estado são de pretos e pretas. Um terço da população da cidade, diga-se, é formada por pretos.  Primeira mulher negra a ser eleita prefeita de Chicago, Lori Lightfoot atribuiu o fato ao histórico racismo estrutural. Em uma cidade importante como Chicago, usar o seu prestígio para dar atenção ao recorte racial é fundamental. 

Em Lousiana, sul dos Estados Unidos, 70% das pessoas infectadas são negras, sendo 33% da população composta por negros. O anúncio foi feito na última segunda-feira (6) pelo governador, John Bel Edwards. No Alabama, 44% das mortes por Covid-19 são de negros. No total, a representatividade preta local é de 27%. Os pretos representam 13% da população americana.

MOVIMENTOS NEGROS PRESSIONAM AUTORIDADES

No Brasil, movimentos negros manifestam preocupação. A Coalizão Negra Por Direitos, organização com 150 entidades do movimento negro de todo o país, cobrou do Ministério da Saúde e das secretarias estaduais da Saúde a divulgação dos dados étnico raciais, de gênero e territoriais dos casos de infecção e de mortes decorrentes do Covid-19, o novo coronavírus. No documento enviado ao Ministério da Saúde e às secretariais estaduais, a Coalizão pede o número de infectados e de mortos nos parâmetros étnico raciais e de gênero durante fevereiro, março e abril. 

Ainda no mês de março, no começo do período de isolamento social proposto pelas autoridades brasileiras, a Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) lançou a Carta das Mulheres Negras Sobre o Covid-19, documento no qual, entre outras pontos, questiona a “quarentena” e coloca essa opção de vida como “completamente dissociadas da realidade vivida pela população negra, de periferias e favelas urbanas e rurais deste país”.

* Julio Menezes Silva é jornalista, artista em formação. Coordena a área de comunicação do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO) e integra o grupo de comunicação do Fórum Permanente Pela Igualdade Racial (FOPIR)