Aguinaldo Camargo, um dos fundadores e mais destacados integrantes do Teatro Experimental do Negro, já antes havia participado de iniciativas pioneiras ao lado de Abdias do Nascimento. Em Campinas, onde passou sua infância e adolescência, Aguinaldo conhecera Geraldo Campos de Oliveira, amigo de infância de Abdias Nascimento e natural de Franca cuja família se mudara para Campinas. Ao sair da penitenciária Frei Caneca, após sua condenação pelo Tribunal de Segurança Nacional, Abdias Nascimento foi a Campinas para passar uma temporada com Geraldo e sua família. Assim conheceu Aguinaldo Camargo e os três organizaram, em 1938, o Congresso Afro-Campineiro. Trata-se de um acontecimento inédito no Brasil: um evento em que ativistas negros propuseram e realizaram uma série de debates sobre a situação do negro numa sociedade onde cinemas e outros espaços públicos eram reservados a negros e brancos. Mais tarde, no Rio de Janeiro, Aguinaldo Camargo fundaria com Abdias e com Sebastião Rodrigues Alves o Comitê Democrático Afro-Brasileiro e estaria sempre à frente das ações mais ousados do grupo do TEN no campo social e político.
Intelecto multifacetado, Aguinaldo Camargo diplomou-se em agronomia e frequentemente era requisitado para trabalhos no campo científico, relacionados também à biologia, em diversos Estados da Federação. Advogado formado pela Universidade do Rio de Janeiro, Aguinaldo era comissário de polícia lotado em Bangu. Mas ele tinha o teatro como sua real vocação.
Desde muito cedo ainda minha vocação para o palco se manifestou nas festinhas íntimas e depois nos espetáculos dos colégios salesianos onde estudei as primeiras letras e onde completei o curso secundário. Só vim a ter uma responsabilidade séria e perante um público seleto, em 1944, no nosso Teatro Municipal, atuando na peça de Stela Leonardos: Palmares, levada à cena pelo Teatro de Estudantes, com a direção geral de Paschoal Carlos Magno.
Aguinaldo Camargo, entrevista no jornal O Globo, 1947.
Efetivamente, uma de primeiras ações do TEN depois de sua fundação em 1944 foi colaborar com o Teatro do Estudante do Brasil na produção da peça Palmares, que exigia um elenco negro. Poucos meses mais tarde, na própria estreia do Teatro Experimental do Negro, Aguinaldo Camargo revelou seu talento ao atuar na peça O imperador Jones, de Eugene O’Neill. O espetáculo estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 8 de maio de 1945, protagonizado por Aguinaldo, que recebeu inúmeros elogios à sua interpretação do personagem Brutus Jones. A crítica guardava sérias dúvidas sobre a qualidade de uma produção tão ousada feita pelo TEN, já que o texto de O’Neill é rico e complexo.
Quando o Aguinaldo chegou, aquele sujeito pequenininho, ninguém estava dando muita fé… aquele sujeito baixinho. Todo mundo tinha a ideia de que o imperador Jones fosse um negro grandão, colossal, igual ao Paul Robeson que também fez esse papel nos Estados Unidos. Então todo mundo ficava assim, meio cético. Mas à medida que a cena ia decorrendo, o espetáculo ia correndo, o Aguinaldo ia crescendo, ia crescendo, ia crescendo, e daqui a um pouquinho o Aguinaldo já era aquele negro grandão, forte, coisa que levou a plateia a um envolvimento emocionado.
Abdias Nascimento, entrevista gravada em 1979 no então Instituto de Artes Cênicas, Rio de Janeiro.
No TEN, Aguinaldo dirigiu peças consagradas como Todos os filhos de Deus têm asas, também de Eugene O’Neill, cujo elenco incluía a atriz negra Ruth de Souza.
Sua atuação, no entanto, não se restringia aos palcos. Aguinaldo Camargo trabalhou intensamente pelos direitos e conscientização da população negra. Ele ajudou a criar o Comitê Democrático Afro-Brasileiro no Rio de Janeiro em 1945, participou da organização da Convenção Política do Negro Brasileiro (São Paulo, 1945) e escrevia artigos no jornal da União dos Homens de Cor, onde ocupou o cargo de Secretario Geral.
Em 1946, Aguinaldo Camargo presidiu a Convenção do Negro Brasileiro no Rio de Janeiro, cujo Manifesto à Nação apresentava propostas de políticas afirmativas de igualdade racial.
No teatro ele atuou ainda, entre outras peças, em O filho pródigo, de Lúcio Cardoso, na montagem feita pelo TEN em dezembro de 1947, e em Rainha de Mangangá, de Lyad de Almeida. Nos recitais e festivais do TEN, a voz de Aguinaldo se destacava em poderosas interpretações de poesias de Castro Alves e de Cruz e Sousa.
O sucesso como ator do TEN levou Aguinaldo Camargo para as telas. No cinema estrelou o filme Também Somos Irmãos, produção de 1949 dirigida por José Carlos Burle. O filme foi uma das primeiras obras cinematográficas a tratar da questão racial no Brasil e seu elenco contou com Grande Otelo, Agnaldo Rayol, Jorge Dória, Ruth de Souza, Vera Nunes, Sérgio Oliveira e Jeci Valadão.
Considerado na época uma das maiores expressões da arte cênica no Brasil, Aguinaldo Camargo faleceu em março de 1952, vítima de um atropelamento.