Abdias Nascimento, Quilombismo (Exu e Ogum). Óleo sobre tela, 71 x 56 cm. Búfalo, EUA, 1980
Exu avisou a Mãe Olga que se preparasse, pois o Terreiro poderia sofrer um ataque dos traficantes de drogas. Ela ficou muito angustiada e, no mesmo dia, foi confirmar a terrível previsão no terreiro de Mãe Celeste, que ficava nas proximidades.
Quando Mãe Olga instalou-se ali, o lugar ainda não era uma favela cheia de riscos e opressão. Muita gente foi chegando depois e ocupando a área de qualquer jeito. Os prefeitos prometiam organizar e ficavam só na promessa. E de promessa em promessa, não sobrou mais espaço na parte baixa, e as casas juntaram-se uma nas outras no alto do morro. Tudo foi ficando mais espremido, mais feio e mais triste…
Chegando ao terreiro, Mãe Olga bateu as palmas rituais, e entrou. O lugar encheu-se de vozes. Ouvia-se aqui e ali pedidos de bênção. Ela possuía muitos afilhados naquele templo. Um deles levou-a até o quarto onde se encontrava Mãe Celeste. As velhas sacerdotisas abraçaram-se e depois sentaram. Mãe Celeste já sabia do aviso do Deus Exu, e iniciou a penosa conversa.
As duas casas de candomblé corriam riscos de ataques, como outras que foram destruídas em todo o Brasil. Os bandidos invadiam os templos e obrigavam os próprios filhos de santo a destruírem os altares e objetos sagrados sob a ameaça das armas.
– Não pensei que viveria pra ver as casas de santo passar por isso novamente… – lamentou Mãe Olga.
– Isto não pode continuar – afirmou mãe Celeste.
As duas Yalorixás decidiram procurar a associação que reunia os terreiros de candomblé e umbanda. A instituição estava organizando os templos para uma ação que obrigasse o Estado a investigar os crimes; pois até ali as autoridades nada fizeram para impedir a violência.
Mãe Olga se despediu e fez o caminho de volta. Entristecida, andava mais lentamente. Os filhos de santo mostraram-lhe vídeos das terríveis agressões. Os marginais violentavam as casas religiosas falando em nome de Jesus Cristo!
Próximo do seu terreiro, a mãe de santo sentiu forte dor no peito. As pernas tremeram e as vistas turvaram-se… Quando deu por si, encontrava-se numa cadeira no meio da rua, com antigos moradores a sua volta. A ambulância chegou e levou-a para o hospital.
A notícia da internação de Mãe Olga se espalhou, levando muitos religiosos até a casa de saúde. Mãe Celeste foi a primeira a chegar com seus filhos. A aglomeração de candomblecistas e umbandistas brancos, mestiços e, na maioria, pretos, fez o hospital chamar a polícia. Os policiais foram recebidos com vaias.
Um ogan da casa de Mãe Olga veio dizer que ela passava bem. Fora um princípio de infarto. Os médicos garantiam a sua recuperação. A matriarca logo estaria pronta para uma nova luta pelo direito de cultuar os deuses do candomblé.
Alguém deu inicio a um cântico que se espalhou pela multidão. A música contava das estratégias de guerra usadas pelo Deus Ogum em defesa da sua gente. Os versos eram cantados o mais alto que se podia. O poder indomesticável de Ogum os liberta das antigas amarras. Então aquele povo começou a marchar não se sabe para onde nem para o quê…
SOBRE O AUTOR
Hélio Penna é contista nascido no Rio de Janeiro em 1961. Oriundo de família operária, morando sempre nas periferias da cidade, teve sua escrita marcada pela dura realidade social que vivenciou. Parte da sua vida foi dedicada à militância sindical, religiosa e social. Começou a escrever seus contos na adolescência. Sua influencia literária vem dos autores como Herberto Sales, Jorge Medauar, Dalton Trevisan e Nelson Rodrigues. Seus contos já foram publicados nas antologias Cadernos Negros, Presidiária, Contos da meia-noite e Clube de Leitura Icaraí, além dos blogs Literatura e Afrodescendência, Educação nos Terreiros e Instituto Awúre de Incentivo a Cultura. Trabalha e reside na cidade do Rio de Janeiro.