Em 9 de dezembro de 1948, o jornal Quilombo ganhava sua primeira edição, que se tornou um marco fundamental à história do jornalismo mundial. Seriam ao todo dez versões de um periódico vibrante, integrante de uma imprensa negra que vinha ativa, sobretudo em São Paulo, de longa data. Órgão de comunicação do Teatro Experimental do Negro, entre 1948 e 1950, suas páginas abordavam a “vida, problemas e aspirações do negro” (slogan) no Brasil e no mundo. Porta-voz dos afrodescendentes, funcionava como espaço de denúncias de discriminação e apoiava organizações afro-brasileiras em todo o Brasil, publicando entrevistas com seus líderes e divulgando suas atividades.
Uma das ações pioneiras do jornal foi abrir espaço à voz das mulheres. Na coluna “Fala a Mulher”, Maria de Lourdes Valle do Nascimento teve presença destacada na luta das mulheres contra a discriminação e na luta das empregadas domésticas, direito conquistado recentemente, quando foi promulgada a Emenda Constitucional 72, mais conhecida como a PEC das Domésticas (PEC 66/2012). Com essa conquista, os trabalhadores domésticos adquiririam uma jornada de trabalho de 8h por dia, totalizando 44 horas semanais, passando a ter direito à horas extra. Essa e outras conquistas sociais dos trabalhadores no Brasil estão sob ameaça frente ao avanço das forças ultra-conservadoras no país, primeiro com o Golpe de 2016 e depois com a eleição do presidente coronel. Mas isso é outra conversa.
Em outra frente de luta, jornal Quilombo publicou reportagens para valorizar candidaturas negras ao pleito de 1950 na décima e derradeira edição, já em 1950. A representatividade do negro, mulher e índio nas assembleias legislativas, no Congresso e no Senado era nula. Atualmente quase nada mudou e as excessões só confirmam a regra. No pleito deste ano, 2018, dentre as 1.626 vagas para deputados distritais, estaduais, federais e senador, apenas 65 foram preenchidas por candidatos que se autodeclaram pretos nas eleições 2018. Eles são 4% dos eleitos neste ano, de acordo com os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No que diz respeito à distribuição do fundo partidário, informa nota publicada na coluna de Ancelmo Gois, de O Globo, “quando o assunto é financiamento eleitoral, há uma clara e gritante diferença entre brancos e negros no Brasil. Quanto aos fundos especial e partidário, por exemplo – o partido recebe sua parte e decide quanto dela vai para a campanha de cada candidato. No Rio, cada postulante a deputado federal homem branco recebeu em média, dos dois fundos, R$ 113 mil. Cada mulher branca, R$ 107 mil; mulher negra, R$ 59 mil, e homem negro… R$ 9 mil”. Os números não erram.
Re-viver os 70 anos da primeira edição de jornal Quilombo é dar continuidade à sua luta contra o racismo e pela libertação do povo preto e preta no Brasil, ideal de seu fundador e diretor Abdias Nascimento. Que o jornalismo vibrante daqueles tempos continue nos inspirando e nos enchendo de força para seguir em frente se aquilombando.
Saravá!
Julio Menezes Silva é jornalista.