01.01 Art Platform: uma proposta artística e decolonial

Ana Beatriz e Thayná Trindade com obras do acervo IPEAFRO. Foto: Elisa Larkin Nascimento

Com as devidas precauções em razão da pandemia, o IPEAFRO recebeu visitas dos diretores da 01.01 Art Platform Ana Beatriz Almeida  e Moisés Patrício, e da curadora Thayná Trindade, nos últimos dias 16 e 19 de outubro. A honra de recebe-los foi desdobramento da ida do IPEAFRO ao espaço da Plataforma na feira ArtRio, realizada na Marina da Glória, Rio de Janeiro. O stand da 01.01 se destacava por apresentar ao público uma coleção de arte decolonial. Sem dúvida, uma estratégia inovadora no mercado das artes e uma ação política de reparação.A plataforma é uma iniciativa pioneira de arte que oferece uma maneira mais consciente de adquirir arte contemporânea, com foco na produção da diáspora africana e africana. Criada por artistas e curadores africanos e brasileiros, a plataforma tem como objetivo reverter antigas rotas de comércio de escravidão em um circuito de intercâmbio cultural e interlocução solidária, promovendo maneiras justas de coletar e consumir arte. O tema é urgente. 

 

Milsoul Santos (IPEAFRO) e Moisés Patrício (01.01 Art Platform), com a pintura “Onipotente e imortal: Adinkra asante”, de Abdias Nascimento e o Exu em bronze de Ronaldo Rego, obras do acervo IPEAFRO.

Foto: Elisa Larkin Nascimento

 

 

 

 

Espaço da 01.01 Art Platform na ArtRio: Elisa Larkin Nascimento (IPEAFRO) com Thayná Trindade, Ana Beatriz e Moisés Patrício (01.01 Art Platform).

Foto: Julio Menezes Silva

 

 

Espaço da 01.01 Art Platform na ArtRio: Thayná Trindade (de costas, lado esquerdo), Elisa Larkin Nascimento (de frente), Andréa Almeira (museóloga, de azul), Ana Beatriz Almeida (01.01 Art Platform) e Marcelo Campos (curador e professor da UERJ, de costas, de branco).

Foto: Julio Menezes Silva

Anani Dzidzienyo (1941-2020) – africano pioneiro nos estudos das relações étnico-raciais no Brasil

 O professor Anani Dzidzienyo em visita ao IPEAFRO 

O IPEAFRO celebra a vida de seu mestre e amigo, o cientista social ganês Anani Dzidzienyo (1941-2020), que no último dia 24 se juntou aos ancestrais. Professor da prestigiosa universidade Brown, nos EUA, ele foi o primeiro pesquisador africano a se debruçar sobre as relações étnico-raciais no Brasil. A partir de 1971, com seu pioneiro estudo publicado pelo Minority Rights Group, de Londres, sua obra tornou-se referência mundial. Ele introduziu na academia de fala inglesa a noção da “América Afro-Latina”, que tornou visível de forma inédita a significativa população negra na América de fala espanhola e portuguesa e ajudou a esboçar um novo campo de pesquisa.

O professor Anani Dzidzienyo nasceu em Sekondi em 1941. Sua mãe foi ministra do governo do grande pan-africanista Kwame Nkrumah, líder da independência do país e seu primeiro presidente. Aos 18 anos, Dzidzienyo ganhou um concurso de redação e viajou para Nova Iorque, Estados Unidos. Lá ganhou uma bolsa para cursar a faculdade Williams College, e depois seguiu para a Universidade Essex, na Inglaterra, onde estudou relações internacionais. Influenciado pelo professor francês Christian Anglade, começou a estudar e a pensar sobre o Brasil.

Por aqui chegou a primeira vez em 1970, permanecendo em Salvador por um ano. Sobre essa passagem ao Brasil, em entrevista à Folha de S. Paulo, disse: ‘Não tinha praticamente um balconista negro, eu vi só em uma farmácia. Naquela época, a Bahia parecia a Islândia’. A experiência em solo brasileiro rendeu o livro The Position of Blacks in Brazilian Society, no qual apresenta uma visão crítica sobre a situação do negro no Brasil. A publicação chamou atenção da embaixada brasileira em Londres, que lançou uma nota formal contra o pesquisador. Era o auge do mito da democracia racial, em pleno governo militar, e prevalecia a ideia de que no Brasil negros e brancos tinham as mesmas oportunidades. Anani Dzidzienyo esteve entre os primeiros observadores que se opuseram a esta visão. 

De volta aos Estados Unidos, em 1973 ele começou a trabalhar na Universidade Brown, onde permaneceu por toda a sua vida. Destacou-se no Departamento de Estudos Africana, renomado centro de estudos transdisciplinares do mundo africano, pelo enfoque sobre a africanidade no Brasil e na chamada América Latina. Atuava no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown, onde desenvolvia um enfoque – também raro naquela seara – desde o ponto de vista negro e africano. Sua área de pesquisa na Brown compreendia História, Política e Governança; Raça, Etnia e Escravidão; estudos afro-latino-americanos e as relações contemporâneas entre África e América Latina.

Da esquerda para a direita: Luiz Ignácio Lula da Silva, Abdias do Nascimento, Esmeralda Brown (Panamá), Michael Mitchell (EUA), Anani Dzidzienyo e Marvin Wright Lindo (Costa Rica)

O professor Anani se fez presente e atuante no 3º Congresso de Cultura Negra das Américas, realizado pelo IPEAFRO em 1982 e que foi um marco no desenvolvimento intelectual e cultural da afro-latinidade. De mesma forma, atuou em inúmeros congressos e certames internacionais acadêmicos e culturais. Em 2004, ele participou, junto com estudiosos como os professores Olabiyi Yai (Benin), Kabengele Munanga (Congo / Brasil), Molefi K. Asante e Michael J. Turner (EUA), do Colóquio Internacional Ancestralidade Africana e Cidadania, realizado pelo IPEAFRO em conjunto com a PUC-Rio como parte das comemorações dos 90 anos do professor Abdias Nascimento. O Colóquio se realizou no âmbito da retrospectiva Abdias Nascimento Memória Viva, que ocupou todos os espaços expositivos da sede do Arquivo Nacional (antiga Casa da Moeda) no Rio de Janeiro.

 

A Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, presidido pelo senador Paulo Paim, realizou em 2015 uma audiência pública sobre diversos aspectos do racismo no Brasil, em torno do lançamento da biografia de Abdias Nascimento publicada como parte da coleção “Grandes Vultos que Honraram o Senado”.  Destacou-se a presença do escritor e ativista mundial Wole Soyinka, primeiro Prêmio Nobel africano da Literatura, e do professor Anani Dzidzienyo. Na imagem, Anani Dzidzienyo e Wole Soyinka na audiência pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado, 2015.

 

 

A universidade Brown realizou em dezembro de 2015 um simpósio em tributo a Abdias Nascimento sob a coordenação dos professores Anani Dzidzienyo e Keisha Khan Perry. O seminário reuniu, no final de 2015, um elenco primoroso que incluía Molefi Kete Asante, Angela Gilliam, Ollie Johnson, Vera Benedito, Carlos Alberto Medeiros, Zachary Morgan, Cheryl Sterling e Elisa Larkin Nascimento. Na foto, Elisa entrega homenagem do IPEAFRO ao mestre. O seminário pode ser visto aqui, no site da Brown University –  https://brown.hosted.panopto.com/Panopto/Pages/Viewer.aspx?id=77e8e4cd-68b9-4208-8c28-a8e3000d293d&query=Abdias%20Nascimento

 

Com algumas integrantes do grupo Sankofinhas, do IPEAFRO. Da esquerda para a direita: Tatiane de Oliveira Lima, Evelyn Lucena, Anani Dzidzienyo, Marina Miranda e Amanda de Freitas

“Anani Dzidzienyo era mais que um amigo do IPEAFRO. Sempre generoso na sua solidariedade, ele acompanhou a criação e o desenvolvimento do instituto. Enriqueceu a trajetória do professor Abdias Nascimento nos EUA, abrindo espaços para sua atuação em fóruns acadêmicos e culturais. Contribuiu para o livro Adinkra: sabedoria em símbolos africanos na qualidade de originário da terra dos akan, cuja língua tuí é a dos adinkra” afirma Elisa Larkin Nascimento, diretora do IPEAFRO. 

Em 2015, em visita ao Rio de Janeiro, ele se tornou padrinho da equipe de estagiários do IPEAFRO ao batizá-los de Sankofinhas. Aline Oliveira Costa, Evelyn Beatriz Lucena Machado, Jorge Lucas Maia, Maria Amanda Emiliano de Freitas, Marina Santos de Miranda e Renan Ferreira da Silva certamente se juntam às equipes do IPEAFRO, atual e passadas, nesta homenagem ao intelectual de grande envergadura que foi Anani Dzidzienyo e ao precioso serviço que ele prestou à produção do conhecimento.

Na foto, os professores africanos Anani Dzidzienyo, Olabiyi Yai, Kabengele Munanga e Molefi K. Asante com integrantes da equipe IPEAFRO e mediadores da exposição Abdias Nascimento Memória Viva. Colóquio Internacional Ancestralidade e Cidadania, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, 2004

“Temos certeza de que todos que o conheceram compartilham com a família Abdias Nascimento a memória de um ser humano excepcional cujas qualidades de empatia, generosidade e compaixão permanecem a brilhar, iluminando nossas vidas – mesmo na sua ausência física – com uma luz cada vez mais rara nestes tempos de sombra e egoísmo”, conclui Elisa Larkin Nascimento.

Anani Dzidzienyo, Presente!

 

A coleção Museu de Arte Negra do IPEAFRO recebe desenho de Santa Rosa feito por Rubem Valentim

O IPEAFRO agradece a Marcelo Pallotta, da Galeria MaPa, pela doação à coleção Museu de Arte Negra (MAN) de desenho do artista Rubem Valentim, cujo trabalho se destaca na arte de temática negro-africana. Trata-se de um retrato informal do cenógrafo Tomás Santa Rosa, colaborador do Teatro Experimental do Negro (TEN) e pioneiro da cenografia moderna no Brasil. A obra dialoga com outro retrato de Santa Rosa, já pertencente a o acervo do MAN, que foi feito por Augusto Rodrigues em 1966. Na foto, Marcelo Pallotta, Camila Barella e Elisa Larkin Nascimento com o desenho de Rubem Valentim doado à coleção MAN, IPEAFRO, 14/10/2020.

 

Desenho de Tomás Santa Rosa por Rubem Valentim. Lápis de cor (crayon) sobre papel, 28 x 21 cm. Rio de Janeiro, maio de 1959. Doação à coleção Museu de Arte Negra (MAN), feita por Marcelo Pallotta da Galeria MaPa.

 

 

 

 

 

 

Augusto Rodrigues, retrato de Santa Rosa. Tinta nanquim e guache sobre papel, 35 x 40 cm. Rio de Janeiro, 1966.

 

Antonieta de Barros: mestra, professora e primeira deputada negra do Brasil

 

Antonieta de Barros (1901 – 1952) professora, cronista e feminista. Em 23 anos de contribuição à imprensa escreveu mais de mil artigos em vários veículos de Santa Catarina, e criou a revista Vida Ilhoa. Autora do livro Farrapos de Ideias, cujos lucros foram investidos na construção de uma escola. A obra teve outras duas edições. É autora da lei que criou o Dia do Professor.

A partir de 1934, envolve-se sobre direitos civis, sociais e políticos, em especial, o direito da mulher ao voto. Elege-se então deputada estadual na Constituinte de 1935 pelo Partido Liberal Catarinense (PLC).  na qual tem atuação fortemente voltada aos direitos das mulheres. É a primeira mulher a ser eleita para a Assembleia Legislativa de Santa Catarina, e primeira mulher negra no Brasil.

Em um de seus textos, sobre a constitucionalidade do voto feminino, provocou: “Que seremos nós, as mulheres? Irracionais ou domesticadas? Porque esta questão de inteligência e aptidões femininas, ora em foco, se resume, digamos de passagem, em classificar a mulher entre as criaturas superiores ou entre os irracionais […]. É isto que está agonizante e querem reviver […]. Inferior aos próprios irracionais, doméstica e domesticada, se contentará, eternamente em constituir a mais sacrificada metade do gênero humano?”.

Seu primeiro mandato vai até o final de 1937, quando golpe liderado pelo presidente Getúlio Vargas fecha assembleias, o congresso nacional e diversos partidos, dando início ao período autoritário conhecido como Estado (1937 a 1945). Antonieta retorna a Assembleia Legislativa em 1948. Continua a defender a emancipação feminina e a educação. Seus projetos viram leis. Em 1951, porém, a oposição vence as eleições. O governador Irinei Bornhausen desfaz as conquistas do governo anterior. A política dos adversários a consomem e Antonieta fica doente. Em 28 de março de 1952 passa ao Orum deixando um legado inspirador de luta contra a sociedade machista, racista e burguesa.

Nota 1: a imagem de ilustração do texto é uma foto de Antonieta de Barros/ Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina 

Fontes:

Filme: Documentário Antonieta de Barros (1901-1952), direção de Flávia Person, 2016 – https://www.youtube.com/watch?v=w511SXZxRMU&feature=emb_logo

Portal Geledés: https://www.geledes.org.br/tag/antonieta-de-barros/?gclid=CjwKCAjw5p_8BRBUEiwAPpJO66d1ooDB_0IrP_NwSuyqKcTIO0B3rLchdNVlGuhoDH0VpPJR_M0bPBoCNLcQAvD_BwE

Jornal El País: https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-10-15/antonieta-de-barros-a-parlamentar-negra-pioneira-que-criou-o-dia-do-professor.html?ssm=whatsapp 

Julio Menezes Silva é jornalista, coordenador de comunicação do Instituto de Pesquisas e estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO), integrante do GT de Comunicação do FOPIR

Assista! Poesia de nós por nós mesmos, por Milsoul Santos

PAPO RETO  Uma poesia pra dizer por nós mesmos! por Milsoul Santos “Viver é uma questão de saúde mental. Se tá ruim em dólar imagine como tá em real? Todo dia morre preto pela mão policial. E o branco privilégio diz pro mundo que tá tudo legal”, reflete. Assista, compartilhe, assine nosso canal no youtube e não se esqueça de dar um like.

76 ANOS DO TEATRO EXPERIMENTAL DO NEGRO (TEN)

Em 13 de outubro de 1944, o Teatro Experimental do Negro (TEN) foi fundado, no Rio de Janeiro, por iniciativa do professor Abdias Nascimento (1914-2011), com o apoio de amig@s e intelectuais brasileiros. A proposta de ação da companhia era valorizar socialmente a herança cultural, a identidade e a dignidade do afro-brasileiro por meio da educação, da cultura e da arte. Umas das ações mais simbólicas do grupo foi a realização de aulas para alfabetização dos participantes do grupo de teatro (Foto: acervo IPEAFRO).

Resolvi tentar meu teatro negro no Rio de Janeiro. A primeira reunião foi no café Amarelinho, na Cinelândia: Aguinaldo Camargo, o pintor Wilson Tibério, Teodorico dos Santos, José Herbel.
– Abdias Nascimento

A Seção TEN do acervo contém documentos do Teatro Experimental do Negro (TEN). Criado em 1944, o TEN foi idealizado, fundado e dirigido por Abdias Nascimento, com o objetivo de valorizar o negro e sua cultura através do teatro.

A proposta de ação do TEN englobava cidadania e conscientização racial. Ao recrutar seu elenco, o TEN tinha, como público alvo, pessoas oriundas do operariado, empregadas domésticas e pessoas sem profissão definida.

O recrutamento das pessoas era muito eclético. Queríamos gente sem qualquer tarimba, pois tarimba de negro no teatro se restringia ao rebolado ou às palhaçadas. Veio gente humilde, dos morros.
– Abdias Nascimento

O TEN realizou cursos de alfabetização para que seus integrantes pudessem dominar a leitura para poder ensaiar. Os cursos noturnos abordavam também conhecimentos gerais e culturais. As aulas aconteciam no restaurante do prédio da UNE na Praia do Flamengo e eram coordenadas por Abdias Nascimento e ministradas por ele, Ironides Rodrigues e Aguinaldo Camargo.

A um só tempo, o TEN alfabetizava seus primeiros participantes e oferecia-lhes uma nova atitude, um critério próprio que os habilitava também a ver, enxergar o espaço que ocupava o grupo afro-brasileiro no contexto nacional.
– Abdias Nascimento

Na hora de escolher uma peça para sua estreia, e verificando a ausência de textos na dramaturgia brasileira que atendessem aos seus objetivos, Abdias Nascimento recorreu à obra O imperador Jones, do renomado dramaturgo norte-americano Eugene O’Neill. Em 1945, O’Neill cedeu gratuitamente ao TEN os direitos para encenar sua peça, em tradução de Ricardo Werneck.

Após meses de ensaio, o TEN estreou com O imperador Jones no dia 8 de maio de 1945, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, tendo como protagonista o grande ator Aguinaldo Camargo.

Para além da dramaturgia como meio de conscientização do negro, o TEN desempenhou atividades de caráter social e artístico. Assim, a atuação do TEN alcançou outros palcos, revelando a militância e o engajamento feminino nas lutas contra a discriminação. A atuação das mulheres foi uma base importante de suas realizações.

Arinda Serafim, Elza de Souza, Marina Gonçalves, Ruth de Souza, Ilena Teixeira, Neusa Paladino, Maria d’Aparecida, Mercedes Baptista e Agostinha Reis estão entre as mulheres que participaram desde os primeiros momentos do TEN. Muitas delas eram empregadas domésticas, e lideravam a defesa de seus direitos. A advogada Guiomar Ferreira de Mattos atuava intensamente nessa causa.

Duas organizações de mulheres negras fizeram parte do TEN: a Associação das Empregadas Domésticas e o Conselho Nacional de Mulheres Negras.

Teve muita “madame” que se aborreceu com o TEN: nós estávamos botando minhocas nas cabeças de suas empregadas.
– Abdias Nascimento

Com sua coluna “Fala a Mulher” no jornal Quilombo, órgão informativo do TEN, Maria de Lourdes Valle do Nascimento teve presença destacada na luta das mulheres contra a discriminação. Ela idealizou também o Ballet Infantil do TEN.

O jornal Quilombo integrava uma imprensa negra que vinha ativa, sobretudo em São Paulo, de longa data. Porta-voz dos afrodescendentes, o periódico funcionava como espaço de denúncias de discriminação e apoiava organizações afro-brasileiras em todo o Brasil, publicando entrevistas com seus líderes e divulgando suas atividades.

Em outra cena, o TEN criticou o conceito de beleza nos certames como o de Miss Brasil:

“Nesses concursos jamais foi constatada a presença de uma candidata de cor. Todas elas eram brancas, dentro dos melhores e mais exigentes moldes da Vênus de Milo”, observou o colunista Doutel de Andrade em 1948.

No intuito de restituir a autoestima negada às mulheres negras, o TEN promoveu os concursos “Boneca de Pixe” e “Rainha das Mulatas”. Os critérios de julgamento incluíam o talento criativo, os dotes intelectuais e a postura ética da candidata. Mas com o tempo, ficou difícil manter o padrão de seriedade que exigia a intenção pedagógica dos concursos. À medida que os eventos cresceram, a mídia e o público passaram a desvirtuar essa intenção, e o TEN suspendeu os concursos.

Houve críticos esquerdistas fazendo confusão dos concursos com exploração meramente sexual da mulher negra. Essas pessoas não compreendiam, não podiam compreender a distância que nos separava qual uma linha eletrificada, de tais preocupações. Pois o alvo desses concursos era exatamente pôr um ponto final na tradição brasileira de só ver na mulher negra e mulata um objeto erótico, o que vem acontecendo desde os recuados tempos do Brasil-Colônia.
– Abdias Nascimento

Mais tarde Léa Garcia, Marietta Campos, Milca Cruz, Dulce Martins, Heloísa Helô, Estela Delfino, Thereza Santos e outras mulheres deram continuidade à atuação cênica e social do TEN.

Em 1955, o TEN promoveu a Semana do Negro e no mesmo ano, o concurso de artes plásticas sobre o tema do Cristo Negro. Em 1961, publicou a antologia Dramas para negros e prólogo para brancos, e em 1964 realizou o curso Introdução ao Teatro Negro. Sua atuação se destacou no cenário cultural do Rio de Janeiro até 1968, quando, após a primeira exposição da coleção Museu de Arte Negra, Abdias Nascimento permaneceu no exterior em razão da repressão política. Os livros Teatro Experimental do Negro – TestemunhosO negro revoltado, e Relações raciais no Brasil registram boa parte da atuação do TEN e seu contexto social.

A seguir, você pode conhecer de forma mais detalhada alguns aspectos dessa atuação do TEN e de sua história, documentados nos registros do acervo do Ipeafro que vimos apresentando por meio de nosso Acervo Digital.

Antecedentes do TEN – Santa Hermandad Orquídea

No final da década de 1930, criou-se no Rio de Janeiro o grupo Santa Hermandad Orquídea, formado por seis poetas e artistas: os argentinos Godofredo Iommi, Efraín Tomás Bó e Raúl Young; e os brasileiros Gerardo Mello Mourão, Napoleão Lopes Filho e Abdias Nascimento.

Em 1941, a Santa Hermandad Orquídea embarcou para o Amazonas e seguiu viagem pela América do Sul. Em sua passagem pelo Peru, Abdias e seu grupo assistiram ao espetáculo O imperador Jones, de Eugene O’Neill, no Teatro Municipal de Lima, capital daquele país. O ator branco argentino Hugo D’Evieri, do Teatro Del Pueblo de Buenos Aires, fazia o papel do protagonista principal, pintado de preto.

Para Abdias, um ator branco fazendo o protagonista negro simbolizava o racismo que excluía o negro do teatro não apenas ali em Lima, mas no teatro como um todo, símbolo e representação da própria civilização do Ocidente. Ele decidiu então criar, na volta ao seu país, um teatro negro, como forma de denunciar e lutar contra o racismo e valorizar a cultura de origem africana. Seguindo viagem, ele passou um ano em Buenos Aires, no Teatro Del Pueblo, onde aprofundou seu conhecimento e se engajou numa prática intensiva de teatro.

Antecedentes do TEN – Teatro do Sentenciado (Carandiru)

Condenado à revelia por ter resistido à discriminação racial em incidentes anteriores à sua viagem pela América do Sul, Abdias Nascimento foi preso em 1942 ao voltar para São Paulo. Cumprindo pena na Penitenciária do Carandiru, resolveu pôr em prática seu projeto de criar um teatro.

Abdias levou a sugestão ao diretor da penitenciária, Dr. Flamínio Fávero, que concordou com a ideia e o autorizou a executá-la. Criou-se, então, o Teatro do Sentenciado, um projeto de vanguarda para a época, onde os presos criavam e encenavam seus próprios textos.

Atuação Teatral do TEN

O TEN marcou de forma indelével a história do teatro brasileiro ao promover a valorização da identidade negra na dimensão cultural, histórica, étnica e artística. O estudo e a reelaboração criativa dos valores da cultura de matriz africana no Brasil moldaram a atuação artística do TEN, que era sempre acompanhada do ativismo cívico pela democracia e os direitos humanos.

“Na rota dos propósitos revolucionários do Teatro Experimental do Negro vamos encontrar a introdução do herói negro com seu formidável potencial trágico e lírico nos palcos brasileiros e na literatura dramática do país.”
– Abdias Nascimento

Além de encenar peças de teatro com uma qualidade plástica e dramática muito elogiada pela crítica da época, o TEN incentivou a criação de uma dramaturgia de autoria negra e sobre temas da vida do povo de matriz africana.

Peças encenadas

O imperador Jones, de Eugene O’Neill
Todos os filhos de Deus têm asas, de Eugene O’Neill
Festival do II aniversário do TEN
O moleque sonhador, de Eugene O’Neill
Recital Castro Alves
Calígula, de Albert Camus
O filho pródigo, de Lúcio Cardoso
Ato Poético Cruz e Souza
Aruanda, de Joaquim Ribeiro
Filhos de santo, de José de Moraes Pinho
Rapsódia negra, de Abdias Nascimento
Onde está marcada a cruz, de Eugene O’Neill
Sortilégio (mistério negro), de Abdias Nascimento
O sapo e a estrela, de Hermilo Borba Filho

Atuação política do TEN

Em 1945, o TEN organizou a Convenção Nacional do Negro Brasileiro, que teve sua primeira reunião em São Paulo e a segunda em 1946 no Rio de Janeiro.

A Convenção Nacional do Negro Brasileiro lançou, em 1945, o Manifesto à Nação Brasileira, reivindicando que a nova Carta Magna explicitasse a origem étnica do povo brasileiro, definisse o racismo como crime de lesa-pátria e punisse a sua prática como crime.O Manifesto também demandou políticas positivas de igualdade racial, como bolsas de estudos e incentivos fiscais.

Vários partidos subscreveram o Manifesto, inclusive o PTB, a UDN, o PSD e o PCB de Luiz Carlos Prestes. Mas quando o senador Hamilton Nogueira apresentou o projeto, a Assembleia Nacional Constituinte de 1946 o rejeitou sob a alegação de inexistirem provas de discriminação racial no país. O TEN passou, então, a denunciar vários casos de discriminação, inclusive os da antropóloga Irene Diggs e da coreógrafa Katherine Dunham. A divulgação desses casos ajudou a criar as condições para a posterior promulgação de uma legislação fraca e ineficaz, conhecida como Lei Afonso Arinos.

Ciente da necessidade de ter parlamentares negros para defenderem no Congresso propostas que beneficiassem a população negra, o TEN incentivou e apoiou o lançamento de candidatos negros. Seu jornal Quilombo abriu espaço para candidatos negros de todos os partidos.

A atuação política do TEN manteve-se ao longo do tempo. Em 1966, por exemplo, ele lançou uma Declaração de Princípios em que se posicionou contra o colonialismo, reivindicando o mesmo posicionamento do governo brasileiro.

O 1º Congresso do Negro Brasileiro (1950)

O 1º Congresso do Negro Brasileiro se definiu como um evento de estudo e reflexão e, ainda, um acontecimento político de cunho popular, em contraste a outros certames como os Congressos Afro-Brasileiros de Recife (1934) e Salvador (1937), que tratavam o negro como um simples objeto de pesquisa.

Os intelectuais negros reunidos na Conferência preparatória ao 1º Congresso do Negro Brasileiro, em 1949, insistiam no princípio de políticas de igualdade racial que antes propuseram à Assembleia Constituinte de 1946. Nas palavras do escritor Fernando Góes:

“É tempo de todos olharem o negro como um ser humano, e não como simples curiosidade ou assunto para eruditas divagações científicas. Que se cuide da ciência, não é só louvável, como imprescindível. Mas que se assista ao desmoronamento e à degradação de uma raça, de braços cruzados, me parece um crime, e um crime tanto maior quando se sabe o que representou para a formação e o desenvolvimento econômico do nosso País.”

Os anais do 1º Congresso do Negro Brasileiro encontram-se publicados, parcialmente, no livro O negro revoltado, que Abdias Nascimento só conseguiu publicar em 1968.

Discursos de Abdias Nascimento se juntam à batida do rap

O rapper carioca Abebe Bikila, conhecido como BK’, lançou seu 3° álbum “O Líder em Movimento”. A obra de 10 faixas resgata o protagonismo negro. Na faixa Visão, a quarta do disco, trechos de discursos históricos de Abdias Nascimento se juntam a batida pesada do rap. Em entrevista a Rede Brasil Atual, BK disse acreditar “numa pessoa liderando, mas também acredito na troca coletiva, com todo mundo construindo um movimento junto. Porém, a ideia do disco é a soma dos dois. Dá para ter um cara puxando o bonde, mas com uma comunidade em volta ajudando e guiando esse trabalho”, defende BK’.