Abdias Nascimento no MASP: mais que uma exposição (2022)

Abdias Nascimento (1914-2011) pintou Okê Oxóssi (1970) quando se encontrava havia dois anos no exílio da ditadura militar. O trabalho ressignifica a bandeira nacional, então sequestrada por conservadores e militares. Na faixa da frase “ordem e progresso” o artista escreveu “okê”, palavra de saudação a Oxóssi, orixá da caça e da cura pelas ervas. Abdias Nascimento introduziu o arco e a flecha do caçador em mémória da luta dos negros e negras e dos povos orginários no Brasil. Para além da parte estética, a vida e obra de Nascimento configuram-se como um meio de luta política em defesa da democracia e dos direitos humanos. 

Em 2022, essa tela continua atualíssima. Os conservadores, com apoio dos militares, mais uma vez sequestraram a bandeira nacional, avançando sobre o país um retrocesso sem precedentes desde a constituinte de 1988. O risco à democracia e aos direitos humanos são duras realidades. As estatísticas não deixam dúvidas do tamanho do desafio: um jovem negro é morto a cada 23 minutos (relatório final da CPI do Senado sobre o Assassinato de Jovens, 2016); quase 20 milhões de brasileiros não têm o que comer (Rede PENSSAN, 2021).

O IPEAFRO – Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-brasileiro, fundado por Abdias Nascimento e que guarda o seu legado, colabora com o MASP – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand na exposição Abdias Nascimento, um artista panamefricano. A mostra ocupa os espaços da galeria e do mezanino, no 1o subsolo do museu. Com curadoria de Amanda Carneiro e Tomás Toledo, a mostra foca a faceta artística de Abdias Nascimento e sua vida de intelectual, ativista político, dramaturgo, ator, escritor e diretor. A exposição tem patrocínio do escritório Mattos Filho. 

Reunindo 62 pinturas — realizadas desde quando começou a pintar em 1968 até o ano de 1998 —, a mostra enfatiza o repertório de ideias, cores e formas do movimento pan-africanista, com noções, fontes e imaginário amefricano. O título parte desse termo cunhado por Lélia Gonzalez (1935-1994), companheira de luta, interlocutora política e intelectual do artista, que formulou o conceito para se referir à experiência negra e dos povos originários na América Latina. A mostra retoma conceitos formulados por Nascimento, como o quilombismo, para destacar o projeto de erguer a transformação social sobre bases que retomam a experiência dos quilombos e a história dos povos escravizados nas Américas. 

PINTOR AOS 54 ANOS 

Em 1968, ano que marca o início de sua pintura e sua partida para os Estados Unidos, Abdias Nascimento já era um nome laureado no Brasil. Participou da Frente Negra Brasileira, movimento e depois partido político criado na década de 1930, e da fundação do Teatro Experimental do Negro, o TEN, uma das mais radicais experiências de dramaturgia do país, nos anos 1940; realizou o concurso Cristo de cor, que contou com diversos artistas, como por exemplo Djanira (1914-1979), para representar um Jesus negro, em 1955; e na mesma década idealizou o Museu de Arte Negra, cujo acervo é referência nos debates sobre museus e comunidades. 

Já seus trabalhos de artes visuais foram mais celebrados em solo estadunidense, onde realizou exposições no conceituado Studio Museum em Harlem, Nova York; Langston Hughes Center, em Buffalo; Malcolm X House, Universidade Wesleyan; Inner City Cultural Center, Los Angeles; Crypt Gallery, Universidade de Columbia. Parte das pinturas desta mostra apresenta ao público o trabalho de Nascimento com símbolos e bandeiras de projetos e identidades nacionais, ao lê-los a partir de uma perspectiva panafricanista e amefricanista. Os trabalhos Okê Oxóssi e Xangô sobre, ambos de 1970, por exemplo, estabelecem paralelos entre representações do Brasil e dos Estados Unidos por meio de uma recomposição de símbolos nacionais: os elementos de suas bandeiras. 

Segundo Amanda Carneiro, curadora da exposição, “… ao subverter o sentido das bandeiras, incorporando referências de matriz africana, questionam-se medidas de incorporação (ou seria retomada?) de signos culturais mais plurais, não exclusivamente alicerçados no eurocentrismo, repensando as comunidades imaginadas”. Okê Oxóssi pode ser considerada um ponto de partida para a mostra individual de Abdias Nascimento no MASP. A pintura — doada ao acervo do museu no âmbito da mostra Histórias Afro-Atlânticas (2018) por Elisa Larkin Nascimento, cofundadora e atual presidente do Ipeafro — ganha agora novos significados no contexto expositivo dedicado a histórias brasileiras, em conjunção com a extensa produção do artista. 

CATÁLOGO 
Acompanhando a mostra, será publicado um catálogo com imagens das mais fundamentais obras do artista, incluindo todas as exibidas no museu. Organizado por Adriano Pedrosa e Amanda Carneiro, o volume contém ensaios inéditos de Amanda Carneiro, Glaucea Helena de Britto, Kimberly Cleveland, Raphael Fonseca e Tulio Custódio e uma entrevista histórica com Elisa Larkin Nascimento conduzida por Tomás Toledo, além de republicar textos de Lélia Gonzalez e de Abdias Nascimento. Com design do estúdio Bloco Gráfico, será publicado em capa dura e em um único volume bilíngue, em inglês e português, a R$ 149. O catálogo será vendido com 20% de desconto no MASP Loja, online ou física, cumulativo com o desconto do programa Amigo MASP. 

(texto produzido com base no release do MASP e conteúdo do IPEAFRO)

SERVIÇO 

Abdias Nascimento, um artista pan-amefricano 
Curadoria: Amanda Carneiro, curadora assistente, Tomás Toledo, curador-chefe 
Visitação: de 25 de fevereiro até 05 de junho de 2022 
Local: 1o subsolo (galeria e mezanino) 
MASP — Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand 
Avenida Paulista, 1578 – Bela Vista 01310-200 São Paulo, SP
Telefone: (11) 3149-5959
Horários: terça grátis Qualicorp, das 10h às 20h (entrada até as 19h); quarta a domingo, das 10h às 18h (entrada até as 17h); fechado às segundas Agendamento online obrigatório pelo link masp.org.br/ingressos 
Ingressos: R$ 50 (entrada); R$ 25 (meia-entrada) www.masp.org.br facebook.com/maspmuseu twitter.com/maspmuseu instagram.com/masp 

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