Encontro Prévio ao Seminário Memória, Patrimônio e Sociedade

No dia 13 de julho de 2023, o Instituto Pretos Novos e o Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (MuhCab) sediaram um encontro prévio ao Seminário Memória, Patrimônio e Sociedade, uma iniciativa conjunta do Ipeafro e da Fundação Casa Rui Barbosa, que teve cobertura exclusiva do Cultne. O evento contou com a participação de representantes de cinco instituições de museus, incluindo nomes como Paul Gardoulle, curador do Museu Nacional da História e Cultura Afro-Americana do Instituto Smithsonian dos Estados Unidos; Mário Chagas, diretor do Museu da República; Ana Flávia Magalhães Pinto, diretora-geral do Arquivo Nacional; Santini, presidente da Fundação Casa Rui Barbosa; Sinara Rúbia, diretora do Museu da História e Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB) do Município do Rio de Janeiro.

Diversas instituições da sociedade civil estiveram representadas, como o Instituto Pretos Novos, o Ilê Axé Oxum Apará, a Casa Sueli Carneiro e integrantes do Comitê Gestor do Cais do Valongo, contando também com a presença do secretário de cultura municipal, Marcelo Calero. Em pauta, diálogos como objetivo reunir os parceiros de realização e os participantes da programação prevista do Seminário, para estabelecer um diálogo com instituições da sociedade civil detentoras de acervos negros. A atração artística foi de “As Malungas”, que fizeram uma apresentação de jongo com a participações de Dayse Gomes, Layza Griota, Rakike Madu e Layza Griot.

No instagram do Ipeafro você pode assistir o vídeo de cobertura do evento: https://www.instagram.com/p/Cu0DiRopApY/

 

Coluna Ipeafro no Pensar Africanamente discute memória audiovisual

Canal Pensar Africanamente
Coluna IPEAFRO
Terça-feira, 04 de julho de 2023, 19:30
Online, pelo canal YouTube ou pelo Facebook Pensar Africanamente
Link: https://www.youtube.com/watch?v=my18k6-Q5iA

TEMA: Memória negra audiovisual

As experiências humanas ao longo dos tempos deixam vestígios pelos quais reconstituímos a história dos grupos humanos. Se alinhado ao sentido Sankofa, podemos dizer que a memória revive experiências, sensações do passado em diálogo com dinâmicas do presente e ressignificando um futuro. Os registros de uma memória negra e sua salvaguarda nos permitem acessar quem somos, contribui para a construção identitária no presente e é garantia de direito a história para futuras gerações. O trabalho realizado pelo Cultne, na figura de Dom Filó, atua especialmente na resistência contra o apagamento e pelo registro da memória negra contemporânea.

SOBRE OS PARTICIPANTES

Dom Filó, mais conhecido como Dom Filó, o carioca Asfilófio de Oliveira Filho é engenheiro civil, jornalista, produtor cultural, cine-documentarista, pós-graduado em marketing pela ESPM e MBA em gestão esportiva pela FGV. Nos anos 70, foi um dos mentores e protagonistas do Movimento Black Rio. Introduziu o basquete de rua no Rio de Janeiro com a pioneira LUB – Liga Urbana de Basquete. É responsável pela Cultne.TV, primeiro canal da televisão brasileira 100% dedicado à cultura negra e co-fundador do Instituto Cultne, maior acervo virtual de audiovisual de cultura negra da América Latina, que reúne mais de 3.000 horas de conteúdo audiovisual autoral e inédito, ao longo de mais de 40 anos de registro e memória do Movimento Negro contemporâneo. É diretor geral do programa Cultne na TV, que é exibido na TV Alerj, no Rio de Janeiro. É Cidadão Honorário da Cidade de Atlanta (EUA) e Benemérito da Paz pelo Comitê Central da Paz – Iniciativa de Solidariedade a Serviços dos Direitos Humanos. Em 2021, foi contemplado na 100 PowerList, que premiou as 100 Personalidades Negras Mais Influentes da Lusofonia. Em 2022, foi o único brasileiro a fazer parte do board de curadoria internacional do Museu da Herança Pan-Africana de Ghana, África, a ser lançado em 2023.

Julio Menezes Silva, Bacharel em comunicação, jornalista profissional, mestrando do Programa de Pós Graduação em História da Arte (PPGHA/UERJ), do Instituto de Artes, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bolsista CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Atua no Instituto de Pesquisas e Estudos Afro- brasileiros (IPEAFRO). É porta-voz e coordenador do projeto Museu de Arte Negra (MAN), no ambiente digital. Atua na Coalizão Negras por Direitos e no Fórum Permanente Pela Igualdade Racial (FOPIR). É curador, ao lado de Elisa Larkin Nascimento, Douglas Freitas e Deri Andrade, da exposição que homenageia o legado do professor Abdias Nascimento no Instituto Inhotim (MG), um dos maiores museus a céu aberto do mundo, em cartaz de dez/2021 a nov/2023. Tem interesse em aprofundar o conhecimento sobre a produção teórica de Abdias Nascimento, em diálogo com as práticas institucionais propostas por ele, entre elas o Museu de Arte Negra (MAN), de 1950. O estudo de caso em torno de Abdias Nascimento e do MAN é meu objeto de pesquisa no mestrado (2021 – 2022), sob a orientação do professor Dr. Maurício Barros de Castro (https://www.ppgha.uerj.br/mauricio-barros-de-castro).

Maria Eduarda Nascimento, comunicadora, estudante de jornalismo na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atua no Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO) e no grupo de pesquisa Povos de Terreiro e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana (PET | UFRJ).

Milsoul Santos, autor dos livros Pássaro preto e Amor sem miséria, milita politicamente através da arte.

SORTEIO

Para participar do sorteio você precisa ter uma conta no Instagram. Até às 21h do dia do sorteio, você vai fazer o seguinte:
(1) Compartilhe este evento no seu Stories, mencione e siga: @ipeafro @pensar.africanamente
(2) Faça um comentário e marque dois amigos

ATENÇÃO: não é permitido marcar contas fakes. Lembre-se: O prazo é até as 21h do dia do evento. Boa sorte!!!

Ministério da Cultura recria Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento

Com a presença da co-fundadora do Ipeafro e atual presidente, Elisa Larkin Nascimento, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação (MEC) recriaram o Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento, por meio da publicação da Portaria nº 1.191/2023.

Nesta quinta-feira, em cerimônia em Brasília, foram anunciados mais de R$600 milhões em diversas ações afirmativas na pós-graduação stricto sensu e na formação de professores para a Educação Básica. O objetivo é formar e capacitar, no Brasil e exterior, estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas, alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades, em universidades, instituições de educação profissional e tecnológica e centros de pesquisa de excelência.

Renato Ferreira, Luanda Moraes, Frei David, Otair Fernandes e Elisa Larkin Nascimento

Para o exterior, serão selecionados até 45 projetos de instituições de ensino superior. Terão prioridade aquelas localizadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e em municípios que tenham índice de desenvolvimento humano (IDHM) muito baixo, baixo e médio. Haverá bolsas de mestrado-sanduíche e doutorado-sanduíche e recursos de custeio para realização estudos em universidades estrangeiras de excelência. Cada proposta selecionada receberá até R$ 5,79 milhões. Ao todo, a CAPES investirá R$260,8 milhões ao longo de quatro anos.

Os projetos devem abranger temas como promoção da igualdade racial, combate ao racismo, difusão do conhecimento da história e cultura afro-brasileira e indígena, educação intercultural, acessibilidade, inclusão e tecnologia assistiva. Também podem estar relacionados à pesquisa e ao desenvolvimento de produtos, equipamentos, serviços e métodos destinados à autonomia das pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. Cada proposta apresentada precisa envolver ao menos uma instituição do Brasil e outra de fora do País. Pelo menos metade das missões de estudo no exterior deverão ser realizadas por mulheres. 

No Brasil, o Abdias Nascimento terá o Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação (PDPG) – Políticas Afirmativas e Diversidade para apoiar projetos de formação de professores e pesquisadores e realização de pesquisas acadêmico-científicas, em diferentes áreas do conhecimento, em temas relacionados às políticas afirmativas e à diversidade. Serão concedidas bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado. O investimento da CAPES soma R$45 milhões ao longo de cinco anos. As inscrições, tanto para os projetos no exterior quanto no País, ocorrerão em data a ser divulgada e o início das atividades está previsto para janeiro de 2024.

A CAPES ainda investirá R$200 milhões pelo Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor-Equidade), para formação inicial de profissionais da Educação para escolas do campo, comunidades indígenas e quilombolas, educação especial e inclusiva. Também serão destinados R$23,5 milhões pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid-Equidade) para atender os mesmos grupos, porém voltado aos alunos de cursos de licenciatura.

Em outras ações, R$22,8 milhões serão alocados, em dois anos, para bolsas de tutoria de Língua Portuguesa para estudantes indígenas e R$56,8 milhões na educação especial, com curso de extensão a distância da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Já a Secadi destinará R$ 40 milhões em quatro anos em cursos preparatórios para o acesso à pós-graduação stricto sensu.

Histórico
Abdias do Nascimento nasceu em 1914, em Franca, São Paulo, e faleceu em 2011, no Rio de Janeiro. Foi artista, professor, político e ativista dos direitos humanos e um dos maiores defensores, no Brasil e no mundo, da cultura e igualdade para as populações afrodescendentes.

Para homenageá-lo, o MEC criou um programa voltado a ações afirmativas com seu nome em 17 de novembro de 2013, pela Portaria nº 1.129. O edital foi publicado em 2014, com 32 propostas selecionadas em 2015. Em 2018, foram renovados 25 projetos. A ação foi revogada pela Portaria n° 195, de 24 de março de 2022. Agora, a CAPES e o MEC recriam a ação.

nota 1 – A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Brasília – Redação CGCOM/CAPES)

nota 2 – as informações usados no texto são da CGCOM/CAPES

 

Coluna do Ipeafro no Pensar Africanamente discute evidência da Arte Negra

Canal Pensar Africanamente
Coluna IPEAFRO
Terça-feira, 06 de junho de 2023, 19:30
Online, pelo canal YouTube ou pelo Facebook Pensar Africanamente

TEMA: Arte Negra em evidência

A arte negra está em evidência, destacando-se como uma poderosa expressão cultural que promove a visibilidade, a representatividade e a valorização das experiências, identidades e histórias da diáspora africana. Através de diversas formas de expressão artística, como pintura, escultura, música, dança, literatura e teatro, artistas têm se dedicado a retratar suas vivências, resgatar memórias ancestrais e desafiar estereótipos prejudiciais. Essa visibilidade crescente tem contribuído para a construção de uma narrativa diversificada no cenário artístico e na história brasileira em geral, incentivando diálogos sobre a altivez das populações negras, suas lutas, conquistas e contribuições para a sociedade. A arte negra em evidência é um convite para reflexões profundas, um meio de combater o racismo em suas dimensões diversas e uma celebração da riqueza cultural que permeia a experiência afrodescendente.

BIOGRAFIA E CONTATO DOS PARTICIPANTES

Dayse Gomes é ilustradora, pintora, formada em Artes Plásticas, empreendedora da marca Arte Griot. É Coord.da Vitrine Negra, expõe artes juntamente com o outras pretas artesãs na loja do Muhcab. É feminista, ativista dos Direitos Humanos, faz parte do Fórum Estadual De Mulheres Negras/RJ, Aqualtune – Associação de Mulheres Negras e contribui na assessória do Ipeafro.

Marcel Diogo é graduado em Pintura e Licenciatura pela Escola de Belas Artes, UFMG, 2007 e 2009. Desenvolve pesquisas em diversos meios, dentre os quais, destacam-se sua produção pictórica e projetos curatoriais independentes. Coordena o Atelier do Ressaca na fronteira entre as cidades de Belo Horizonte e Contagem e leciona em uma escola pública. Participou de importantes exposições como “Carolina Maria de Jesus – Um Brasil para os Brasileiros” no IMS – Instituto Moreira Salles em São Paulo, “I Circuito Latino-Americano de Arte Contemporânea” na Casa de Cultura Mario Quintana em Porto Alegre, residência artística Barda del Desierto na Patagônia e Crudo Arte Contemporáneo em Rosário, na Argentina; Arkane – Residência artística de Casablanca no Marrocos e Residência Artística do EXA, no Espaço Quilombola Teto Aberto, em Pinhões, Santa Luzia – MG. Atualmente representado pela Mitre Galeria e Diáspora Galeria.

Moisés Patrício utiliza diferentes técnicas em suas obras, como pintura, desenho, escultura e instalação, e muitas vezes incorpora materiais naturais e elementos simbólicos em suas criações. Suas obras são influenciadas por sua própria experiência pessoal e cultural, bem como por sua pesquisa e estudo sobre a história e a cultura afro-brasileira. Entre os temas que ele aborda em suas obras, estão questões relacionadas à identidade, religiosidade, ancestralidade e resistência. Moisés Patrício é um artista importante dentro do cenário da arte afro-brasileira e tem participado de exposições e eventos em todo o Brasil e mundo.

PERFORMANCE ARTÍSTICA
Milsoul Santos. Autor dos livros Pássaro preto e Amor sem miséria. Milita politicamente através da arte.

SORTEIO
Catálogo da exposição no MAC: Abdias Nascimento: um espírito libertador. Para participar do sorteio você precisa ter uma conta no Instagram. Até às 21h do dia do sorteio, você vai fazer o seguinte:

(1) Compartilhe este evento no seu Stories, mencione e siga: @ipeafro @pensar.africanamente
(2) Faça um comentário e marque dois amigos

ATENÇÃO: não é permitido marcar contas fakes.

Lembre-se: O prazo é até as 21h do dia do evento. Boa sorte!!!

Legado de Abdias Nascimento na Alemanha

Mostra individual sobre o artista no museu Haus der Kulturen der Welt, em Berlim, é resultado de um empreendimento de pesquisa, oficinas e uma série de performances que convida artistas, ativistas, acadêmicos e pessoas de diferentes áreas da vida a imaginar novas formas de resistência cultural e política. O ponto de partida do projeto é a filosofia do quilombismo, desenvolvida pelo artista, autor e político brasileiro AbdiasNascimento. 

Denominada “O Quilombismo: Sobre resistir e insistir. Sobre fuga como luta. Sobre outras filosofias políticas democráticas e igualitárias”, a exposição reflete sobre os quilombos como metáfora, mas também examina os efeitos intelectuais e políticos de uma filosofia e ideologia baseadas neles. Ela mapeia os espaços sociais que tornaram esses lugares possíveis, seja em tempos antigos, em mundos imaginários compartilhados ou em nossas múltiplas formas contemporâneas de existência.

A mostra, que fica em cartaz  de 2 de junho a 17 de setembro de 2023, marca a reabertura da instituição – o HKW é uma casa onde culturas de convivência e hospitalidade são cultivadas, vividas e difundidas. O quilombismo é compreendido como uma filosofia de resistência, insistência e emancipação por meio da coletividade e da alegria. Isso define o tom de um programa impulsionado por práticas e tecnologias de encantamento, criando espaços de felicidade e êxtase concebidos em torno de valores igualitários. O curador-chefe da mostra é Bonaventure Dikung.

Nota sobre as intervenções em curso nos morros do Pão de Açúcar e Urca (RJ)

Na qualidade de integrante do Comitê Gestor do Cais do Valongo recém reconstituído pelo IPHAN e de entidade radicada no Rio de Janeiro, portanto fazendo parte de sua população, o IPEAFRO vem aderir à manifestação do ICOMOS em relação à contratação, licenciamento e início de realização de obras no Pão de Açúcar, Patrimônio Mundial, sem que a empresa tenha apresentado elementos imprescindíveis à análise, como um estudo detalhado de resistência do maciço rochoso, sondagens, o detalhamento do projeto de perfuração, o volume de rocha a ser alterado/perfurado, e assim por diante.
 
Estamos diante de um poder público que há pouco tempo realizou obra de ciclovia com procedimento semelhante, resultando na morte de um cidadão que realizava seu passeio de bicicleta confiando na segurança que lhe seria garantida pela responsabilidade das autoridades competentes no planejamento e execução de obras públicas.
 
Neste caso, sublinhamos o agravo de a intervenção ser realizada em um bem do Patrimônio Mundial, sem o devido respeito aos requisitos decorrentes desse reconhecimento, que agrega considerável valor à atração turística supostamente “beneficiada” pela obra que está em curso. 
 
Trata-se de um exemplo que nos preocupa pelo que indica sobre o possível respeito dessas mesmas autoridades para com um bem do Patrimônio Mundial como o Cais do Valongo, cuja vinculação com a história escravista do país tende a torná-lo objeto de atitudes negacionistas e de pouco apreço por parte de segmentos da população apoiadores dessas mesmas autoridades.
 
Conclamamos a sociedade civil e os órgãos administrativos competentes a manifestarem sua rejeição à irresponsabilidade na gestão da coisa pública, exigindo e providenciando a imediata suspensão das referidas obras no Pão de Açúcar.
 
Rio de Janeiro, 6 de abril de 2023
 

Terceiro Ato e a Justiça

 

‘Abdias Nascimento, 1970’ no terceiro ato da exposição “Abdias Nascimento e o Museu de Arte Negra”. 2023. Foto: Maria Eduarda Nascimento.

Por Maria Eduarda Nascimento*

Da minha mãe de santo escutei certa vez que não devemos pedir justiça a Xangô, mas sim por misericórdia. Isso porque, a visão de justiça africana nada tem a ver com os dogmas eurocêntricos e suas leis, e eu, no auge da minha ignorância, posso pedir por justiça estando equivocada, e não por isso ele a deixará de fazer. 

Esse estudo de Abdias Nascimento, que faz parte de um dos núcleos do “Terceiro Ato: Sortilégio”, revela uma faceta muito pessoal a respeito do que ele pensava como futuro ideal de uma pátria martirizada, vítima do que a escravização instaurou aqui. O Oxé de Xangô e os rabiscos da canetinha foram capazes de reler uma bandeira de bases colonialistas em uma proposição africana de futuro com justiça aos negros que construiram um país em cima dos escombros da desgraça e da exploração. E que até hoje ainda assim o carregam. 

Teria então a branquitude coragem de pedir justiça a Xangô? Se é do suprimento e esquecimento de nossa história que somos mantidos em condições de controle e apagamento, como a consciência da nossa exploração os beneficia? O melhor mesmo seria a misericórdia. O que se sabe é que dos estudos de Abdias sobre a releitura da bandeira nacional foi concebido “Oke Oxossi (1970)”, que coloca o caçador africano no centro, e nos traz a esperança de um futuro de fartura e sobrevivência. 

E como o negro é lindo! Por que durante minha vida não me ensinaram isso? Para onde se olhava dentro da Galeria Mata, se via beleza. “Oxum em Êxtase (1975)” costuma ser o quadro que mais atrai olhares, e lá estava ela, disposta no centro da parede ao lado de outros orixás. A Iyabá foi tão fielmente retratada na pintura que concentrou toda a atenção e fotografias do local. Não poderia ser diferente. Senhora dos rios e cachoeiras, riqueza, e vaidade. A pintura de Abdias traduz autoestima e afirmação da própria “negrura” – como ele mesmo escreveu. Como ver beleza no que se aprendeu a odiar? Como amar a um orixá a quem me apresentaram como diabo? A autoestima é o resgate da integridade do povo preto, da noção de humanidade que nos foi negada antes mesmo da colonização. 

É possível visualizar de forma concreta o que Abdias Nascimento idealizou para o Museu de Arte Negra na década de 50, como a transmissão da criatividade afro-brasileira e da estética negra. Atento para a importância da memória porque é preciso difundir no imaginário social que Abdias enquanto vivo se dedicou a valorização do negro como sujeito, como central e produtor de arte. Destaco também a decisão essencial de inserir documentos históricos, fotos e livros para compor a narrativa da exposição, que não só é inédita na história do Inhotim, mas também possibilita espaço para acessar sentimentos. 

A admiração especial de Abdias Nascimento ao orixá Exu é um deles. Representado em maior número em quadros, estudos e simbologias, Exú está por todo lado. Vou além, enxergo o axé do orixá incorporado em seu trabalho. O que foi Abdias se não um comunicador entre mundos? Falou ao negro, ao africano, ao branco e ao originário. Falou ao artista, à empregada doméstica; falou ao patrão, ao rico e ao pobre. Falou ao jovem, ao quilombola, ao griot. 

Falou comigo.

Maria Eduarda Nascimento em visita a exposição no Inhotim. Crédito: Julio Ricardo  Menezes Silva 

O Cais do Valongo é memória

Por Maria Eduarda Nascimento

“Tudo o que nós temos guardado a vida inteira.” Foi assim que Conceição Evaristo definiu a fala de Mãe Edelzuita de Oxaguiã, que aconteceu momentos antes na cerimônia. Eu não teria a ousadia de acrescentar nem polir nenhuma palavra, já que assim também entendi o que a Iyá disse. Alguns minutos após o início da cerimônia, Mãe Edelzuita, convidada ao evento, solicitou o direito de falar ao microfone no palco. E assim foi feito. As falas da mãe de santo, mesmo que numa pequena “quebra de protocolo” – como foram chamadas, elucidaram, para quem ainda não tinha entendido, o propósito daquela cerimônia. E o que nós, pessoas negras, em especial as mulheres negras, temos guardado a vida inteira: o cansaço de uma vida sem reconhecimento.

A Iyá demarcou seu protagonismo responsável pela viabilização da região do Cais do Valongo, porto de chegada dos nossos ancestrais sequestrados de África e escravizados por aqui. Ancestrais esses que receberam ebós e um Amalá para Xangô pelas mãos da própria. Reivindicou a importância das Iyalorixás na sociedade, já que é pelas mãos dessas mais velhas que “a mulher que não pode parir, toma um ebó e pari”, e “quem está no leito do hospital, se levanta”. Elas são responsáveis pela sobrevivência e força do povo preto, sempre foram, antes de qualquer medicina patenteada. Mãe Edelzuita termina seu discurso afirmando que negro, foi o branco quem inventou. Nós somos pretos.

Gosto de substituir a ideia do antirracismo pela projeção de vida futura do negro. Há, dentro de uma sociedade munida de necropolíticas racistas, algo mais subversivo do que imaginar um povo preto vivo no futuro? – Não só vivendo, mas vivendo dignamente. E só se pensa na construção política futura, visitando e conhecendo o passado. Isso é sankofa, e é também a filosofia dominante dentro das comunidades negras. A valorização do ancestral, a perpetuação oral do saber, a organização hierárquica… Pilares do candomblé e da capoeira, por exemplo. Isso é projetar vida.

A restituição de um patrimônio cultural, jogado ao sucateamento no anterior governo de extrema direita, e a instauração de um novo comitê de posse, que contempla coletivos e organizações negras comprometidas com a causa, fala do nosso passado e denuncia as mazelas coloniais aqui instauradas. Eu pouco sabia sobre o Cais do Valongo, e ainda sei pouco visto o necessário, mas sei que o racismo brasileiro atua no suprimento da memória ancestral e no apagamento da nossa história. O Cais do Valongo é memória, é movimento de resistência. Ter a presença de Ministras, do novíssimo Ministério da Igualdade Racial e do restaurado Ministério da Cultura, Anielle Franco e Margareth Menezes respectivamente, aponta para nortes de esperança com um Governo Federal que nos contempla. Em geral, a principal sensação é a de respiro.

Patrimônio da Humanidade, Cais do Valongo tem Comitê Gestor recriado

O bem cultural Sítio Arqueológico Cais do Valongo, declarado Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco),  extinto pelo Governo Federal em 2019, foi recriado e e tem um novo comitê gestor. Composto por 15 instituições da sociedade civil e 16 entidades governamentais das esferas federal, estadual e municipal, entre elas, o Ipeafro, fundado por Abdias Nascimento, foi nomeado novamente, assim como na primeira posse, em 2018. 

A festa da posse foi no Museu de Arte do Rio e contou com a presença de personalidades do movimento negro, e de representantes de instituições da sociedade civil e governamentais, além de membros do Comitê. As Ministras de Estado Anielle Franco (Igualdade Racial) e Margareth Menezes (Cultura) estiveram presentes e reiteraram seu compromisso com a pauta racial e a preservação da memória e do patrimônio brasileiros. Foi das mãos dessas mulheres que representam esperança no presente que Clícea Maria Miranda e Elisa Larkin Nascimento, do Ipeafro, receberam o certificado de posse de membro titular.

Anielle Franco (Igualdade Racial), Clicea Maria Miranda e Elisa Larkin Nascimento (Ipeafro), e Margareth Menezes (Cultura). Foto: Maria Eduarda Nascimento

Registramos ainda a participação da deputada Benedita da Silva e também da autora Conceição Evaristo, da Ialorixá Edelzuita de Oxaguiã, do presidente da Fundação Palmares João Jorge Rodrigues, do Secretário de Cultura Marcelo Calero, da representante do Comitê Gracy Mary, do presidente do O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Leandro Grass e da diretora do Arquivo Nacional Ana Flávia Magalhães, sendo a primeira mulher negra a assumir a Direção Geral deste órgão em 187 anos. A artista plástica Dayse Gomes e a estudante de jornalismo Maria Eduarda Nascimento, que também atuam no Ipeafro, estiveram presentes. 

 

Ipeafro apoio filme “Encruzilhada – entre terreiro e quilombo em Jacarepaguá”

Nesta quinta, 30/3, às 13h, tem cine debate com o diretor do filme “Encruzilhada: entre terreiro e quilombo em Jacarepaguá”, Paulo Mileno, no CIEP 321 Dr. Ulysses Guimarães, em Curicica, Rio de. O filme traz depoimentos de Léa Garcia, Luiz Carlos Gá, Muniz Sodré, Elisa Larkin Nascimento, Abdias Nascimento Filho, Jayro Pereira de Jesus, Júlio Dória, Mária Lúcia dos Santos Mesquita e Paulo Mileno. O Ipeafro é apoiador cultural do filme.