“Terceiro Ato: Sortilégio”: exposição no Inhotim aborda a trajetória de Abdias Nascimento e o Museu de Arte Negra

Em curadoria conjunta com o Ipeafro, a mostra apresenta mais de 180 obras, entre documentos, livros, trabalhos de Abdias e de artistas como Mestre Didi, Rubem Valentim, Melvin Edwards, Regina Vater, Emanoel Araujo, Hélio Oiticica e Anna Bella Geiger

Brumadinho, MG – Em curadoria conjunta com o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro- Brasileiros (Ipeafro), o Inhotim sedia um museu dentro de seu espaço e traz, desde 2021, a iniciativa idealizada por Abdias Nascimento (1914- 2011) no começo da década de 1950: o Museu de Arte Negra.

Como parte desse projeto, a exposição “Terceiro Ato: Sortilégio”, que inclui em seu título o nome da primeira peça teatral escrita por Abdias Nascimento – Sortilégio (Mistério Negro) – em 1951, e marca o princípio de sua produção artística ligada às tradições afro-diaspóricas, será inaugurada no dia 18 de março de 2023, sábado, na Galeria Mata. Terceiro Ato: Sortilégio aborda o período de exílio do artista, entre 1968 e 1981, evidenciando a difusão da arte negra brasileira no exterior.

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Como dramaturgo e depois pintor, Abdias Nascimento desempenhou um papel político e social que estabeleceu uma mudança de paradigma para a reconstituição de uma ordem epistêmica africana, usando linguagem e símbolos das tradições afro-diaspóricas. Neste sentido, Terceiro Ato: Sortilégio se organiza em cinco núcleos temáticos (Símbolos rituais contemporâneos; Nova York: início do exílio; Professor universitário; Artistas afro-brasileiros; e Orixás: concepção da vida e filosofia do universo) concentrados na maciça produção de Abdias como pintor, que se dá, sobretudo, fora do Brasil. “Nascimento continuou seu interesse pela ancestralidade africana como base para sua
produção artística. Assim, essa comunicação constante com a epistemologia das religiões afro-diaspóricas está no cerne de seu pensamento enquanto intelectual e artista”, pontua Deri Andrade, curador assistente do Inhotim.

Parte das obras expostas na mostra é de artistas brasileiros(as) que marcavam presença na cena artística estrangeira, principalmente nos EUA, em Nova York, no mesmo período em que Abdias Nascimento esteve no país, interagindo com a sua paisagem e com o seu entorno, e mostrando um reconhecimento dos territórios por onde passaram. Os núcleos da exposição buscam reafirmar a ideia do Museu de Arte Negra como um museu coletivo, feito por pessoas que cruzaram a vida de Abdias. A sala de vídeo exibe ainda o documentário Exu Rei – Abdias Nascimento (2017), de Bárbara Vento, que salienta as características de grande expressividade e comunicação de Abdias Nascimento, bem como seu dinamismo e ativismo, dialogando com o arquétipo de Exu enquanto figura de transformação e a sua influência na cultura negra e na arte brasileira.

Constituída por peças de empréstimos – a grande maioria pelo Ipeafro – e de aquisições recentes do Inhotim, Terceiro Ato: Sortilégio traz ao público mais de 180 obras, com trabalhos de Abdias Nascimento e de outros artistas como Mestre Didi, Rubem Valentim, Melvin Edwards, Regina Vater, Manuel Messias, Emanoel Araujo, Hélio Oiticica, Anna Bella Geiger, Anna Maria Maiolino, Iara Rosa, Romare Bearden, LeRoy Clarke, além de livros e documentos de pesquisa de Abdias sobre o Candomblé e os Orixás.

A exposição apresenta um núcleo dedicado a Exu, Orixá presente em um grande número obras de Abdias. Exu é o Orixá da comunicação, guardião dos caminhos. “Abdias pensa os Orixás, os símbolos ritualísticos e a linguagem ancestral como ponto de conexão pan-africanista. Ele resgata em seu trabalho o sentido do Candomblé como uma concepção de vida e filosofia do universo”, explica Douglas de Freitas, curador do Inhotim.

Em maio de 1968, nas comemorações pelos 80 anos da abolição da escravidão, o Teatro Experimental do Negro realizou a exposição inaugural da coleção Museu de Arte Negra, no Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro. Ao longo daquele ano, Abdias Nascimento teve forte interlocução com artistas nacionais e internacionais, e o projeto Museu de Arte Negra ganhou destaque na mídia, em especial no Correio da Manhã, veículo que fazia oposição ao Regime Militar. No final do mesmo ano, Abdias Nascimento recebe uma bolsa de intercâmbio cultural nos Estados Unidos. Com a promulgação do Ato Institucional no 5, em 13 de dezembro de 1968, o Congresso é fechado e inicia-se a fase da mais violenta repressão política da ditadura militar no Brasil. Abdias já era alvo de vários inquéritos policiais militares, antes de sair do país.

Sob o risco de ser perseguido, torturado ou assassinado pelo governo brasileiro de então, o pintor se vê impedido de retornar ao seu país de origem. O fato limita as atividades do Museu de Arte Negra em solo brasileiro, mas não as do seu curador, que continua produzindo e coletando obras durante o seu exílio. É neste período que Abdias intensifica sua atividade como pintor, em cidades como Nova York e Buffalo, dialogando com as paisagens e com os
círculos artísticos desses lugares – que podem ser vistos em sua obra como representações desses espaços e também como homenagens a outras figuras de seu convívio, como Rubens Gerchman. A presença da religiosidade de matriz africana em seu trabalho também se consolida.

“É no exílio que Abdias Nascimento passa a ser internacionalmente reconhecido não só como pintor, mas principalmente como uma das personalidades brasileiras mais preparadas para o enfrentamento ao racismo em suas dimensões estética e estrutural. A experiência acumulada desde a sua participação na Frente Negra Brasileira, nos anos 1930, passando pelo Teatro Experimental do Negro, jornal Quilombo e pela criação do projeto Museu de Arte Negra, contribui para a consolidação de uma biografia que o levou, já próximo do final de sua vida, em 2009, a ser indicado oficialmente ao prêmio Nobel da Paz pelo conjunto da obra”, afirma Julio Ricardo Menezes Silva, pesquisador do Ipeafro e coordenador do Museu de Arte Negra virtual.

Terceiro Ato: Sortilégio é o penúltimo dos quatro atos da proposta, representados anteriormente pelo Primeiro Ato: Abdias Nascimento, Tunga e o Museu de Arte Negra e pelo Segundo Ato: Dramas para negros e prólogo para brancos, partindo do legado multidisciplinar de Abdias Nascimento – poeta, escritor, dramaturgo, curador, artista plástico, professor universitário, pan-africanista e parlamentar com uma longa trajetória trilhada no ativismo e na
luta contra o racismo.

Sobre o Museu de Arte Negra
Desde os anos 1940, Abdias Nascimento e seus companheiros do Teatro Experimental do Negro (TEN) trabalhavam com a proposta de valorização social do negro e da cultura afro- brasileira por meio da arte e da educação. O TEN buscava delinear um novo estilo estético e dramatúrgico, e assim lançava as bases para a fundação do Museu de Arte Negra. Foi o TEN que, em 1950, no Rio de Janeiro, organizou o 1o Congresso do Negro Brasileiro, em que se discutiu a “estética da negritude” e modos de visibilização e valorização da produção de artistas negros e daqueles que lidavam com a representação da cultura negra em seus trabalhos. Nesse sentido, a plenária do Congresso aprovou uma resolução sobre a necessidade de um museu de arte negra. O TEN assumiu o projeto, e assim nasceu o Museu
de Arte Negra.

A coleção Museu de Arte Negra ganhou forma sendo composta por pinturas, desenhos, gravuras, fotografias, esculturas, dentre outras, numa pluralidade de suportes e técnicas, doadas por artistas em interlocução com os ativistas, intelectuais e artistas do TEN. Em 1955, o TEN promoveu um concurso de artes plásticas e uma exposição sobre o tema do Cristo Negro. A exposição inaugural da coleção Museu de Arte Negra abriu em 6 de maio de 1968,
no Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro. Nascimento aproveitou, para isso, a comemoração dos 80 anos da abolição da escravatura, ocorrida em 1888. Entretanto, ele e seu time tinham plena consciência de que as estruturas que sustentavam o regime escravista de violação de direitos e da dignidade humana se mantinham sob a forma do racismo. Sem medidas reparatórias como acesso ao emprego, à cultura e à educação, a abolição resultou
na exclusão social, econômica, política e cultural da população negra recém-libertada. Terceiro Ato: Sortilégio conta com o patrocínio do Itaú Unibanco e da Petrobras, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura – Ministério da Cultura e Governo Federal, União e Reconstrução. Pela Petrobras, o projeto foi contemplado na Chamada Petrobras Cultural Múltiplas Expressões 2022.

Terceiro Ato: Sortilégio
Abdias Nascimento e o Museu de Arte Negra
Abertura: 18 de março de 2023, sábado, a partir das 9h30
Data: 18 de março a 06 de agosto de 2023
Local: Galeria Mata, Instituto Inhotim