Sebastião Rodrigues Alves nasceu na cidade de Guaçuru, Espírito Santo. Não gostava de usar o primeiro nome, e sua família e seus amigos o chamavam de “Rodrigues” ou “Rodrigues Alves”. Órfão de mãe aos 7 anos, ele passou a trabalhar na lavoura juntamente com seu pai num de seus sítios. Mais tarde foi candeeiro de boi e madrinha de tropa de burros. Trabalhou ainda como soldado do Corpo de Bombeiros. Seguiu para a vida militar, chegando à patente de cabo do Exército no Espírito Santo.
Rodrigues Alves e Abdias Nascimento eram cabos do Exército (este lotado no quartel de Quitaúna, São Paulo) na época da Revolução Constitucionalista de São Paulo de 1932. Eles chegaram a participar de combates no mesmo campo de batalha, sem se conhecerem ainda. Com a vitória das forças federais, a unidade de Rodrigues Alves se mudou para São Paulo, onde o Tenente Theodomiro, amigo de Rodrigues Alves, morava na pensão da Dona Fortunata. Abdias Nascimento, então escriturário do Exército, morava fora do quartel nessa mesma pensão. Rodrigues Alves e Abdias Nascimento iniciaram ali uma amizade cimentada e aprofundada ao longo de suas vidas. Nessa época, eles dividiam momentos e episódios com um jovem ator de pequena estatura chamado Sebastião Prata, de nome artístico Grande Otelo, que mais tarde seria um dos artistas mais importantes do cinema nacional.
Os dois jovens, Abdias Nascimento e Rodrigues Alves, na flor de seu vigor, compartilhavam uma atitude comum: não aceitavam a discriminação racial. Nas barbearias, nos cinemas, nos bares e nas boates, no acesso a hotéis e a prédios… Onde quer que acontecesse eles resistiam, quebrando portas e vidraças, travando lutas corporais, enfrentando, em fim, os agentes do racismo que lhes barrassem os caminhos. Num desses episódios, o porteiro de uma boate lhes apontou a porta dos fundos. Abdias e Rodrigues Alves revidaram a atitude à base de socos e bofetões; até o cinto do uniforme do Exército serviu como arma de briga. Passou ali o doutor Egas Botelho, então chefe da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS). Mas em vez de fazer valer a justiça ou a ordem jurídica que deveria proibir a discriminação na letra da lei, o delegado defendeu a atitude do porteiro e assim entrou, também, na mira dos jovens e apanhou igualmente.
Desaparecemos na noite, que, aliás, era de carnaval. Mas fomos afinal descobertos: sempre há um delator. Certa manhã, quando estávamos ainda dormindo, [as forças policiais] cercaram com um bruto aparato bélico a casa onde alugávamos um quarto. Eles nos dominaram à força; iguais a novos Tiradentes pretos, lá fomos eu e Rodrigues Alves levando porradas pelas ruas de São Paulo até o famoso Gabinete de Investigações da rua dos Gusmões, que era a própria imagem do pavor. Assim acabou minha carreira militar (aliás, houve um tempo mais tarde em que almejei entrar para a aeronáutica e ser piloto, mas fui recusado, naturalmente por causa da cor).
– Abdias Nascimento, “Depoimento” no livro Memórias do Exílio (1976).
Por serem estudantes, os dois foram excluídos do Exército, situação juridicamente distinta de serem expulsos. Assim, passaram um período de fome, sem ter onde dormir, perambulando pelas ruas paulistanas. Era 1936: a invasão italiana da Abissínia predominava nas manchetes como assunto político do dia. Imigrantes italianos se ocupavam com pequenos empreendimentos numa economia que excluía a mão de obra negra. Abdias e Rodrigues Alves desenvolveram uma técnica inusitada para se alimentarem. Posicionando-se perto de algum barraqueiro italiano que vendia comida, Abdias discursava contra a invasão da Abissínia, levantando a ira do vendedor, que se ocupava com exaltada defesa da Itália de Mussolini enquanto Rodrigues Alves furtava alguma coisa para os dois comerem.
Logo em seguida tomaram rumos distintos. Rodrigues Alves recolheu-se ao Convento dos Frades Franciscanos em Santa Catarina, onde recebeu o burel franciscano e o nome de Frei Miguel. Entretanto, logo descobriu que em razão da cor não poderia ser padre; teria que se contentar com a posição de irmão leigo, ou seja, uma espécie de serviçal dos padres e outros superiores na hierarquia eclesiástica. Largou o convento e se dirigiu ao Rio de Janeiro, onde se reencontraria com Abdias Nascimento na década dos 1940. Os dois fundariam, com Aguinaldo Camargo, Tibério, Raúl Soares, Solano Trindade, Theodorico dos Santos e outros, o Comitê Democrático Afro-Brasileiro (1945) e o Diretório Negro Petebista (1946).
Sempre voltado para os estudos, Rodrigues Alves concluiu o curso superior de Serviço Social, e em seguida ajudou a organizar os profissionais da sua categoria fundando o Sindicato dos Assistentes Sociais.
Como escritor e pesquisador, Rodrigues Alves dedicou-se a temática da valorização do negro. Ele investigou as condições da população menos favorecida nas suas frequentes visitas aos morros cariocas. Pesquisador incansável dos assuntos afro-brasileiros, ele apresentou trabalhos em vários congressos e convenções; ele publicou os livros Ecologia do grupo afro-brasileiro (1966), Sincretismo Religioso (1966) e Canto à amada (1972).
Superando os obstáculos criados por processos burocráticos e exigências financeiras que o regime militar impunha, o movimento negro organizou uma delegação ao 1º Congresso de Cultura Negra das Américas, realizado em Cali, Colômbia, em 1977. Rodrigues Alves compareceu com o ensaio “Todos somos iguais perante a lei”, artigo que publicou em inglês e em português:
__ . “We are All Equal before the Law,” trans. Elisa Larkin Nascimento, Journal of Black Studies, v. 11, n. 2, dez. 1980, p. 179-94.
__ . “Todos somos iguais perante a lei.” Thoth / Informe de distribuição restrita do senador Abdias Nascimento, n. 1, 1997, p. 155-66.
Na reorganização política do Brasil após a anistia e volta dos exilados, Rodrigues Alves ajudou a fundar a Secretaria do Movimento Negro do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e participou de forma ativa na campanha política de Abdias Nascimento para a Câmara dos Deputados. Faleceu em 1985, deixando a viúva Patrícia, quatro filhos e quatro netos.