O IPEAFRO celebra a vida de seu mestre e amigo, o cientista social ganês Anani Dzidzienyo (1941-2020), que no último dia 24 se juntou aos ancestrais. Professor da prestigiosa universidade Brown, nos EUA, ele foi o primeiro pesquisador africano a se debruçar sobre as relações étnico-raciais no Brasil. A partir de 1971, com seu pioneiro estudo publicado pelo Minority Rights Group, de Londres, sua obra tornou-se referência mundial. Ele introduziu na academia de fala inglesa a noção da “América Afro-Latina”, que tornou visível de forma inédita a significativa população negra na América de fala espanhola e portuguesa e ajudou a esboçar um novo campo de pesquisa.
O professor Anani Dzidzienyo nasceu em Sekondi em 1941. Sua mãe foi ministra do governo do grande pan-africanista Kwame Nkrumah, líder da independência do país e seu primeiro presidente. Aos 18 anos, Dzidzienyo ganhou um concurso de redação e viajou para Nova Iorque, Estados Unidos. Lá ganhou uma bolsa para cursar a faculdade Williams College, e depois seguiu para a Universidade Essex, na Inglaterra, onde estudou relações internacionais. Influenciado pelo professor francês Christian Anglade, começou a estudar e a pensar sobre o Brasil.
Por aqui chegou a primeira vez em 1970, permanecendo em Salvador por um ano. Sobre essa passagem ao Brasil, em entrevista à Folha de S. Paulo, disse: ‘Não tinha praticamente um balconista negro, eu vi só em uma farmácia. Naquela época, a Bahia parecia a Islândia’. A experiência em solo brasileiro rendeu o livro The Position of Blacks in Brazilian Society, no qual apresenta uma visão crítica sobre a situação do negro no Brasil. A publicação chamou atenção da embaixada brasileira em Londres, que lançou uma nota formal contra o pesquisador. Era o auge do mito da democracia racial, em pleno governo militar, e prevalecia a ideia de que no Brasil negros e brancos tinham as mesmas oportunidades. Anani Dzidzienyo esteve entre os primeiros observadores que se opuseram a esta visão.
De volta aos Estados Unidos, em 1973 ele começou a trabalhar na Universidade Brown, onde permaneceu por toda a sua vida. Destacou-se no Departamento de Estudos Africana, renomado centro de estudos transdisciplinares do mundo africano, pelo enfoque sobre a africanidade no Brasil e na chamada América Latina. Atuava no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown, onde desenvolvia um enfoque – também raro naquela seara – desde o ponto de vista negro e africano. Sua área de pesquisa na Brown compreendia História, Política e Governança; Raça, Etnia e Escravidão; estudos afro-latino-americanos e as relações contemporâneas entre África e América Latina.
O professor Anani se fez presente e atuante no 3º Congresso de Cultura Negra das Américas, realizado pelo IPEAFRO em 1982 e que foi um marco no desenvolvimento intelectual e cultural da afro-latinidade. De mesma forma, atuou em inúmeros congressos e certames internacionais acadêmicos e culturais. Em 2004, ele participou, junto com estudiosos como os professores Olabiyi Yai (Benin), Kabengele Munanga (Congo / Brasil), Molefi K. Asante e Michael J. Turner (EUA), do Colóquio Internacional Ancestralidade Africana e Cidadania, realizado pelo IPEAFRO em conjunto com a PUC-Rio como parte das comemorações dos 90 anos do professor Abdias Nascimento. O Colóquio se realizou no âmbito da retrospectiva Abdias Nascimento Memória Viva, que ocupou todos os espaços expositivos da sede do Arquivo Nacional (antiga Casa da Moeda) no Rio de Janeiro.
A Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, presidido pelo senador Paulo Paim, realizou em 2015 uma audiência pública sobre diversos aspectos do racismo no Brasil, em torno do lançamento da biografia de Abdias Nascimento publicada como parte da coleção “Grandes Vultos que Honraram o Senado”. Destacou-se a presença do escritor e ativista mundial Wole Soyinka, primeiro Prêmio Nobel africano da Literatura, e do professor Anani Dzidzienyo. Na imagem, Anani Dzidzienyo e Wole Soyinka na audiência pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado, 2015.
A universidade Brown realizou em dezembro de 2015 um simpósio em tributo a Abdias Nascimento sob a coordenação dos professores Anani Dzidzienyo e Keisha Khan Perry. O seminário reuniu, no final de 2015, um elenco primoroso que incluía Molefi Kete Asante, Angela Gilliam, Ollie Johnson, Vera Benedito, Carlos Alberto Medeiros, Zachary Morgan, Cheryl Sterling e Elisa Larkin Nascimento. Na foto, Elisa entrega homenagem do IPEAFRO ao mestre. O seminário pode ser visto aqui, no site da Brown University – https://brown.hosted.panopto.com/Panopto/Pages/Viewer.aspx?id=77e8e4cd-68b9-4208-8c28-a8e3000d293d&query=Abdias%20Nascimento
“Anani Dzidzienyo era mais que um amigo do IPEAFRO. Sempre generoso na sua solidariedade, ele acompanhou a criação e o desenvolvimento do instituto. Enriqueceu a trajetória do professor Abdias Nascimento nos EUA, abrindo espaços para sua atuação em fóruns acadêmicos e culturais. Contribuiu para o livro Adinkra: sabedoria em símbolos africanos na qualidade de originário da terra dos akan, cuja língua tuí é a dos adinkra” afirma Elisa Larkin Nascimento, diretora do IPEAFRO.
Em 2015, em visita ao Rio de Janeiro, ele se tornou padrinho da equipe de estagiários do IPEAFRO ao batizá-los de Sankofinhas. Aline Oliveira Costa, Evelyn Beatriz Lucena Machado, Jorge Lucas Maia, Maria Amanda Emiliano de Freitas, Marina Santos de Miranda e Renan Ferreira da Silva certamente se juntam às equipes do IPEAFRO, atual e passadas, nesta homenagem ao intelectual de grande envergadura que foi Anani Dzidzienyo e ao precioso serviço que ele prestou à produção do conhecimento.
“Temos certeza de que todos que o conheceram compartilham com a família Abdias Nascimento a memória de um ser humano excepcional cujas qualidades de empatia, generosidade e compaixão permanecem a brilhar, iluminando nossas vidas – mesmo na sua ausência física – com uma luz cada vez mais rara nestes tempos de sombra e egoísmo”, conclui Elisa Larkin Nascimento.
Anani Dzidzienyo, Presente!